sexta-feira, 23 de junho de 2017

15 heroínas negras que ganharam biografias em cordéis

15 heroínas negras do Brasil ganharam biografias em cordéis

Coletânea de cordéis de Jarid Arraes acaba de chegar às livrarias.

26/05/2017 18:15 -03 | Atualizado 30/05/2017 10:27 -03

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"Acho curioso como sabemos todos os casos sexuais de tantos reis e imperadores, mas uma líder como Tereza de Benguela, que foi rainha do quilombo de Quariterê no Mato Grosso, nem sequer é mencionada nas escolas."
A observação acima é Jarid Arraes, autora de Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis, que acaba de chegar às livrarias. A obra da escritora de 26 anos busca justamente preencher essa lacuna na História oficial do Brasil - recuperando narrativas de mulheres negras que defenderam seus direitos e batalharam por seus espaços.
Em companhia do perfil de Tereza está a história de Maria Firmina dos Reis, responsável pelo primeiro romance abolicionista do Brasil, Úrsula, e fundadora da primeira escola mista do País - para meninos e meninas – projeto pelo qual foi duramente perseguida.


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Em entrevista ao HuffPost Brasil, Jarid aponta semelhanças na trajetória de Maria Firmina e de outra grande escritora negra brasileira, Maria Carolina de Jesus, cuja trajetória também é contada no livro.
"Embora tenha seu primeiro livro, Quarto de Despejo, publicado com muito sucesso, Carolina caiu no esquecimento porque ousou enfrentar a elite que a exotificava e peitou os supostos 'tutores' que não permitiam sua expressão artística em outras áreas, já que ela sonhava também em ser cantora", diz.
Heroínas Negras em 15 Cordéis apresenta ainda as histórias de princesas e rainhas africanas como Aqualtune, Zacimba Gaba e Na Agontimé, que foram sequestradas como escravas para o Brasil. "Mas elas lideraram revoltas, mantiveram quilombos de sucesso e não apenas lutaram pela liberdade de todos, como também deixaram importantes legados", conta.
O processo de pesquisa que resultou no livro começou há quatro anos, quando a jovem escritora se deparou com as trajetórias de três personagens negras também apagadas dos livros de História: Dandara dos Palmares, Luisa Mahin e Aqualtune.
"Durante toda a minha vida escolar e também na mídia, nunca tinha ouvido falar de sequer uma mulher negra que tenha feito algo de importante na história do Brasil, e quando tive acesso aos grandes atos dessas mulheres, mergulhei fundo para encontrar outras", diz.


Gabriela Pires
Encontrar detalhes sobre o curso das vidas dessas mulheres não foi fácil. Uma das maiores dificuldades que teve durante o processo foi levantar dados confiáveis sobre as heroínas - já que que existem poucos registros sobre essas figuras.
Filha e neta de cordelistas do Ceará e entusiasta da preservação da literatura de cordel, Jarid resolveu adaptar os enredos de vida das personagens que encontrou para o popular formato escrito em folhetos e, frequentemente, na forma rimada.
"Transformar essas biografias em cordel foi uma escolha de muito sucesso, porque o cordel tem uma linguagem acessível, divertida. É gostoso de compartilhar, de ler em grupo e é perfeito para utilizar em sala de aula", conta.
A coleção, que reúne 20 perfis, foi sucesso de vendas: mais de 20 mil cordéis em menos de dois anos. Hoje, os cordéis são usados em escolas de todo o Brasil e estão presentes até ma Biblioteca do Congresso de Washington, nos EUA,
A partir daí, tentar transformar a coleção em um livro se tornou o caminho perfeito para que as histórias alcançassem um público ainda maior.
O resultado final dessa empreitada é uma edição de 176 páginas publicado pela editora Pólen Livros - com 15 biografias contadas em cordel e prosa. A coletânea forma um "grupo representativo em diversidade", segundo a escritora.
"São mulheres de épocas diferentes, de estados diferentes e que lutaram batalhas diferentes. Entre escritoras, ativistas, líderes quilombolas e de revoltas contra a escravidão, escolhemos 15 heroínas negras que marcaram nossa história e nos deixaram um legado importantíssimo", explica.


Gabriela Pires

Feminismo e Ativismo Negro

Jarid Arraes teve uma trajetória ativa como blogueira antes de se dedicar totalmente à literatura.
Do primeiro blog autoral, Mulher Dialética, ela passou a escrever no Blogueiras Feministas, colaborando na sequência com o Blogueiras Negras. Na Revista Fórum, manteve a coluna Questão de Gênero, onde também escreveu matérias abordando temáticas ligadas a Direitos Humanos no geral.
Foi por causa dessa escrita política que passei a entender que eu poderia, sim, ser escritora de ficção, de poesia e de cordel, que esse lugar também era um lugar para mim. Com o tempo, e com os ataques que eu sofria pela internet, ameaças e xingamentos por tratar desses temas, eu decidi me dedicar exclusivamente a literatura.
Antes de Heroínas Negras em 15 Cordéis, ela lançou Lendas de Dandara, que apresenta em formato de prosa mítica o perfil de outra grande mulher negra da História do Brasil: Dandara dos Palmares - a esposa do líder Zumbi.


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Questionada sobre o público-alvo de seu novo livro, Jarid afirma Heroínas Negras é necessário para toda a sociedade. E justifica:
"Porque não aprendemos sobre essas mulheres, não ouvimos falar das lutas que travaram, das conquistas que tiveram e que nos beneficiaram de modo geral, a todos. É também uma forma de combater mentalidades machistas e racistas, pois estamos tão habituados a vermos homens brancos como grandes conquistadores, desbravadores, intelectuais e escritores, que é quase como se nosso inconsciente coletivo pensasse que mulheres negras nunca fizeram contribuições do tipo para a humanidade."
Além dos livros, a escritora mantém projetos literários como o Clube de Escrita Para Mulheres – que, como o título denuncia, capacita mulheres para o mercado literário. São nessas vias que ela foca seu ativismo negro e feminista atualmente.
"Acredito que essas personagens e suas histórias produzem empatia, identificação, questionamento e fazem com que as pessoas entrem em contextos que poderiam não entrar de outra forma. Também aposto no poder coletivo de juntar mulheres que escrevem e questionam o machismo e o racismo do mercado editorial, dos eventos literários, assim produzimos muita mudança e afirmamos que as obras escritas por mulheres são relevantes, são de qualidade e que não vamos aceitar o 'mais do mesmo' que ainda domina esse mundo da literatura."