segunda-feira, 16 de setembro de 2013

FILMES QUE ABORDAM A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL

A Busca Pela Justiça (Dirigido por Terry Green, 2006)
A cor púrpura (Dirigido por Steven Spielberg, 1995)
A cozinha de Toto (Dirigido por Harry Hook, 1987)
A encruzilhada (Dirigido por Walter Hill, 1986)
A hora do show (Dirigido por Spike Lee, 2000)
A morte do profeta Malcom X (Dirigido por Woody King Jr, 1981)
Adivinhem quem vem para jantar (Dirigido por Stanley Kramer, 1967)
Agosto negro (Dirigido por Samm Styles, 2007)
As filhas do vento (Dirigido por Joelzito Araújo)
Atlântico negro - Na rota dos orixás (Dirigido por Renato Barbieri)
Civil brand (Dirigido por Neema Barnette, 2002)
Código das ruas (Dirigido por Spike Lee, 2004)
Crooklin: uma família de pernas pro ar (Dirigido por Spike Lee, 2006)
Cruz e Souza – poeta dos desterro (Dirigido por Sílvio Back)
Em defesa da honra (Dirigido por Bill Duke)
Faça a coisa certa (Dirigido por Spike Lee, 2002)
Família Alcântara (Dirigido por Lilian e Daniel Solá Santiago, 2007)
Feiticeiros da palavra (Dirigido por Eduardo Coutinho, 2001)
Fugindo do inferno
Homens de Honra (2007)
Hotel Ruanda (Dirigido por Terry George, 2006)
Juntos pela vida (Com Queen Latifah, 2007)
Kiriku e a feiticeira (Dirigido por Michael N’Dour)
Mississipi em chamas
No calor da noite (Dirigido por Norman Jewison)
O povo brasileiro (Dirigido por Isa Ferraz)
O que é Movimento Negro? (Documentário, 1998)
O rap do pequeno príncipe contra as almas sebosas (Dirigido por Paulo Caldas e Marcelo Luna, 2000)
Ori (Dirigido por Raquel Gerber, 1989)
Queimada (Dirigido por Gillo Pontecorvo, 1969)
Ray (Dirigido por Taylor Hackford, 2004)
Retratos do Vale (Dirigido por Luiz Bargmann, 2002)
Um por Deus, outro pelo diabo (Dirigido por Sidney Poitier)
Uma onda no ar (Dirigido por Helvécio Ratton)
Xica da Silva (Dirigido por Cacá Diegues)

Fonte: www.fazervaleralei.blogspot.com.br
http://www.usp.br/neinb/?p=43

I Seminário Internacional "Educação: contextos contemporâneos, demandas populares" - RJ

 


CALENDÁRIO NEGRO - SETEMBRO

04 - Promulgação da lei Euzébio de Queiroz,
extinguindo o tráfico de escravos no Brasil / 1850
07 - Criação do Grupo União e Consciência Negra do Brasil / 1981
10 - Morte do líder angolano Agostinho Neto / 1979
11 - Independência do Senegal, África / 1960
14 - É fundado o jornal O Homem de Cor, o primeiro da imprensa negra brasileira
/ 1833
16 - Fundação da Frente Negra Brasileira, maior entidade da primeira metade do
século, primeiro partido político de afro-descendentes/ 1931
18 - Circula o primeiro número do jornal A Voz da Raça, jornal da Frente Negra
/ 1933
18 - Decreto do Presidente Getúlio Vargas diz que o Brasil precisa desenvolver,
em relação à imigração, "as características mais convenientes de sua ascendência
européia"
21 - Independência do Mali / 1960
22 - Libertação jurídica dos escravos nos EUA / 1862
22 - Independência do Mali, África / 1960
24 - Independência da Guiné-Bissau, África / 1973
27 - Dia dos Idosos
28 - Aprovada a Lei do Ventre Livre / 1871
28 - Assinada a Lei do Sexag

Blog voltado ao compartilhamento de informações a respeito de eventos, materiais didáticos e dispositivos legais relacionados à Lei 11.645/08, que determina a inclusão das temáticas “História e Cultura Afro-Brasileiras e Indígenas” no currículo oficial da rede de ensino.
e-mail: fazervaleralei@gmail.com

A História local dos afro-descendentes

Projeto

A história local dos afro-descendentes

Objetivos
Estabelecer relações entre passado e presente, discutindo mudanças e permanências nas relações sociais.
Estabelecer uma ponte entre o conteúdo estudado e sua vida cotidiana por meio de estudos da história local.
Compreender e valorizar elementos das culturas africanas e de afrodescendência.
Ampliar o conceito de cidadania, discutindo questões como respeito à diversidade, religiosidade e sincretismo, preconceito, direitos, inclusão.

Anos
7º, 8º e 9º anos

Tempo estimado

3 aulas e atividades extra-classe em prazo a ser definido pelo professor.

Material necessário
Câmeras fotográficas, gravadores ou mp3 player, computador com acesso à internet.

Introdução
A importância de se estudar a história de africanos e de afro-descendentes está relacionada às profundas relações que guardamos com a África. No geral, somos frutos dos encontros e confrontos entre diferentes grupos étnicos como indígenas, europeus, africanos e outros.

Entendemos que história do Brasil e história da África estão intimamente relacionadas, cabendo ao professor ampliar a discussão sobre, por exemplo, a escravidão, introduzindo elementos da história dos africanos, de sua cultura e não tratá-los como simples mercadoria que enriquecia europeus e tiveram seu trabalho explorado à exaustão no Brasil antes e após a independência política.

Nessa perspectiva, não podemos tratar a questão africana apenas do ponto de vista da escravidão, como se fosse uma questão isolada e superada pela assinatura da Lei Áurea em 1888. Um ponto de partida para ampliar nossa visão e tentar superar as visões estereotipadas sobre o tema é procurar recuperar os elementos da resistência negra, suas formas de luta e de organização, sua cultura, não apenas no passado, mas também no tempo presente.

Desenvolvimento
1ª. etapa
Comece o trabalho explorando com os alunos os elementos da história africana e/ou da presença africana na História do Brasil que eles já tenham estudado. Procure levantar os conhecimentos dos alunos acerca das relações sociais estabelecidas, das visões que foram construídas sobre africanos e afro-descendentes no Brasil, sobre a cultura africana e/ou a mescla de culturas que se convencionou chamar "cultura brasileira" com forte influência de elementos africanos. É possível que surjam respostas que remetam a determinados assuntos como alimentação, música, dança, lutas e religiosidade. Se não surgirem, instigue-os a refletir sobre a presença ou ausência desses elementos no modo de vida deles.

Após essa conversa inicial, convide os alunos para explorar o site www.acordacultura.org.br, que mostra informações sobre a cultura negra africana em forma de jogos, livros animados, vídeos, músicas e textos. Dica: veja textos sobre a importância da cultura negra na coluna da esquerda da página inicial - "valores civilizatórios".

A exploração do site é apenas um ponto de partida para a discussão que poderá ser fundamentada em conhecimentos anteriores dos alunos, de acordo com os conteúdos previstos no currículo de História, como:
- História da África, incluindo elementos da cultura e religiosidade etc. (o período variando de acordo com o ano/série dos alunos).
- Escravidão no Período Colonial e/ou no Período do Império. As lutas e as formas de resistência, e elementos da cultura trazida pelos africanos.

Proponha aos alunos um trabalho de investigação da presença da cultura negra na localidade e das relações sociais estabelecidas entre os diferentes grupos étnicos, por meio de entrevistas. O objetivo é fazer com que os alunos percebam as relações entre o passado (os conteúdos estudados em História) e o tempo presente, observando as mudanças e permanências nas relações estabelecidas entre os diferentes grupos étnicos e da situação dos afro-descendentes na sociedade brasileira. Essas pesquisas podem ser incluídas em um blog produzido pela classe. Será um espaço de debate virtual em que os alunos da escola e os moradores da comunidade local poderão trocar idéias sobre o assunto.

2ª etapa
Agora é o momento de planejar as entrevistas. Divida a turma em grupos de quatro ou cinco alunos e faça a mediação dos seguintes pontos:

- O levantamento de afro-descendentes que sejam moradores antigos da localidade para serem entrevistados.

- Combinar com os alunos se as entrevistas serão realizadas na escola ou na casa dos entrevistados.

- Elaborar as questões que serão feitas aos entrevistados. Exemplos de coleta de bons depoimentos podem ser encontrados no portal do Museu da Pessoa (www.museudapessoa.net).
O questionário deverá ter:
Nome
Idade
Há quanto tempo mora na localidade,
Profissão, atividades que exerceu
Religião
O lazer no passado e no presente
Os tipos de música e de dança preferidos do passado e do presente
Se sofre ou já sofreu discriminação por ser afro-descendente
Participa de organizações como clubes, associações de moradores, ONGs que lutem pela defesa dos direitos dos afro-descendentes
Outras questões sugeridas pelos alunos a partir dos estudos realizados

- A definição das formas de registro da entrevista

- Reforçar com os alunos a importância do respeito aos entrevistados.

- O estabelecimento de uma data para que os materiais coletados sejam levados para a classe.

3ª. etapa
Os grupos de alunos deverão realizar as seguintes atividades:

- Contatar os moradores escolhidos, explicando o objetivo da entrevista.

- Gravar as entrevistas com equipamentos de áudio (gravadores, mp3 player etc.)

- Pedir permissão para fotografar os entrevistados

- Perguntar se eles possuem fotos antigas ou outros objetos e se permitem que eles sejam fotografados para compor o trabalho final.

No retorno do trabalho, em sala de aula, você deverá mediar a socialização das experiências de cada grupo por meio da discussão:
- como se deu a interação com os entrevistados
- quais foram as informações obtidas
- as semelhanças e diferenças entre as respostas dos entrevistados

4ª. etapa
A partir das entrevistas e dos materiais coletados, é possível recuperar um pouco da história das relações sociais na localidade, da presença (ou não) de discriminação de afro-descendentes e de elementos da cultura de origem africana.

Produto final
O material coletado pode ser organizado:
- em um painel com fotos e informações escritas
- elaboração coletiva de um blog que poderá conter as gravações das entrevistas, depoimentos de alunos sobre o tema, mudanças e permanências nas relações sociais na localidade, espaço para postagem de sugestões sobre a formas de combate ao preconceito e à discriminação racial.

Avaliação
Os pontos que deverão ser avaliados são:
- envolvimento e participação dos alunos nas discussões em grupos
- pertinência das informações e dos materiais coletados
- organização e clareza das informações no painel e nos textos e áudios postados no blog.
Quer saber mais?
Bibliografia
BARBOSA, R. M. Ambientes virtuais de aprendizagem. Porto Alegre: Artmed.
BITTENCOURT, Circe Maria F. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo, Cortez.
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade. Lembranças de velhos. Companhia das Letras.
LUCENA, Célia Toledo. Artes de lembrar e de inventar: (re) lembranças de migrantes. São Paulo, Arte & Ciência.

Na internet
Pt.wikipedia.org/wiki/Podcast
informatica.hsw.uol.com.br/web-206.htm
www.acordacultura.org.br
aldeiagriot.blogspot.com
www.arteafricana.usp.br/index.html
www.palmares.gov.br
www.ritosdeangola.com.br/news.php
www.capoeiradobrasil.com.br

Materiais para aprofundar a discussão sobre racismo:
www.dialogoscontraoracismo.org.br
Consultoria Eliete Toledo
Professora de História e co-autora das coleções didáticas "História: conceitos e procedimentos" e "História: cotidiano e mentalidades".

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

ARTE DA ÁFRICA

http://www.faecpr.edu.br/site/portal_afro_brasileira/2_V.php

Arte da África

arte africana representa os usos e costumes das tribos africanas. O objeto de arte é funcional e expressam muita sensibilidade. Nas pinturas, assim como nas esculturas, a presença da figura humana identifica a preocupação com os valores étnicos, morais e religiosos. A escultura foi uma forma de arte muito utilizada pelos artistas africanos usando-se o ouro, bronze e marfim como matéria prima. Representando um disfarce para a incorporação dos espíritos e a possibilidade de adquirir forças mágicas, as máscaras têm um significado místico e importante na arte africana sendo usadas nos rituais e funerais. As máscaras são confeccionadas em barro, marfim, metais, mas o material mais utilizado é a madeira. Para estabelecer a purificação e a ligação com a entidade sagrada, são modeladas em segredo na selva. Visitando os museus da Europa Ocidental é possível conhecer o maior acervo da arte antiga africana no mundo.

História
Máscara do século XVI, Nigéria, Edo, Corte de Benin, marfim, Metropolitan Museum of Art

As origens da história da arte africana está situada muito antes da história registrada. A arte africana em rocha no Saara, em Níger, conserva entalhes de 6000 anos.[1] As esculturas mais antigas conhecidas são dos Nok cultura da Nigéria,500 d.C.. Junto com a África Subsariana, as artes culturais das tribos ocidentais, artefatos do Egito antigo, e artesanatos indígenas do sul também contribuíram grandemente para a arte africana. Muitas vezes, representando a abundância da natureza circundante, a arte foi muitas vezes interpretações abstratas de animais, vida vegetal, ou desenhos naturais e formas. Métodos mais complexos de produção de arte foram desenvolvidos na África Subsaariana, por volta do século X, alguns dos mais notáveis avanços incluem o trabalho de bronze do Igbo Ukwu e a terracota e trabalhos em metal de Ife|Ile Ife fundição em bronze e , muitas vezes ornamentados com marfim e pedras preciosas, tornou-se altamente prestigiado, em grande parte da África Ocidental, às vezes sendo limitado ao trabalho dos artesãos e identificado com a Família real|realeza, como aconteceu com os Bronzes do Benim.

Arte africana na atualidade
Muitas das chamadas artes tradicionais da África estão sendo ainda trabalhadas, entalhadas e usadas dentro de contextos tradicionais. Mas, como em todos os períodos da arte, importantes inovações também têm sido assimiladas, havendo uma coexistência dos estilos e modos de expressão já estabelecidos com essas inovações que surgem. Nos últimos anos, com o desenvolvimento dos transportes e das comunicações dentro do continente, um grande número de formas de arte tem sido disseminado por entre as diversas culturas africanas.A arte Africana tem uma coisa interessante. Você pode achar semelhança entre dois países sem eles se assemelharem.
Além das próprias influências africanas, algumas mudanças têm sua origem em outras civilizações. Por exemplo, a arquitetura e as formas islâmicas podem ser vistas hoje em algumas regiões da Nigéria, em Mali, Burkina Faso e Niger. Alguns desenhos e pinturas do leste indiano têm bastante similaridade em suas formas com as esculturas e máscaras de artistas dos povos Dibibio e Efik que se estabelecem ao sul da Nigéria. Temas cristãos também tem sido observados nos trabalhos de artistas contemporâneos, principalmente em igrejas e catedrais africanas. Vê-se ainda na África, nos últimos anos, um desenvolvimento de formas e estruturas ocidentais modernas, como bancos, estabelecimentos comerciais e sedes governamentais.
Os turistas também tem sido responsáveis por uma nova demanda das artes, particularmente por máscaras decorativas e esculturas africanas feitas de marfim e ébano. O desenvolvimento das escolas de arte e arquitetura em cidades africanas, tem incentivado os artistas a trabalhar com novos meios, tais como cimento, óleo, pedras, alumínio, com uma utilização de diferentes cores e desenhos. Ashira Olatunde da Nigéria e Nicholas Mukomberanwa de Zimbábue estão entre os maiores patrocinadores desse novo tipo de arte na África.


As formas de arte africana
A pintura é empregada na decoração das paredes dos palácios reais, celeiros, das choupas sagradas. Seus motivos, muito variados, vão desde formas essencialmente geométricas até a reprodução de cenas de caça e guerra. Serve também para o acabamento das máscaras e para os adornos corporais. A mais importante manifestação da arte africana é, porém, a escultura. A madeira é um dos materiais preferidos. Ao trabalhá-la, o escultor associa outras técnicas (cestaria, pintura, colagem de tecidos).
As máscaras africanas
Mascara Gelede do Benin no Brasil

As "máscaras" são as formas mais conhecidas da plástica africana. Constituem síntese de elementos simbólicos mais variados se convertendo em expressões da vontade criadora do africano.
Foram os objetos que mais impressionaram os povos europeus desde as primeiras exposições em museus do Velho Mundo, através de milhares de peças saqueadas do patrimônio cultural da África, embora sem reconhecimento de seu significado simbólico.
A máscara transforma o corpo do bailarino que conserva sua individualidade e, servindo-se dele como se fosse um suporte vivo e animado, encarna a outro ser; gênio, animal mítico que é representando assim momentaneamente. Uma máscara é um ser que protege quem a carrega. Está destinada a captar a força vital que escapa de um ser humano ou de um animal, no momento de sua morte. A energia captada na máscara é controlada e posteriormente redistribuída em benefício da coletividade. Como exemplo dessas máscaras destacamos as Epa e as Gueledeé ou Gelede.


Arte e religião
As civilizações africanas tem uma visão holística e simbólica da vida. Cada indivíduo é parte de um todo, ligados, todos em função do cosmos em uma eterna busca pela harmonia e de equilíbrio. Outro conceito fundamental na filosofia da existência africana é a importância do grupo, para que a comunidade viva, cada fiel deve participar seguindo o papel que lhe pertence em nível espiritual e terreno.
Opon Ifá tabuleiro esculpido em madeira.


Principais religiões
As únicas religiões que tem relação com a arte africana no Brasil, são o Candomblé, e o Culto aos Egungun efetivamente de origem africana.
O Culto de Ifá em menor número no Brasil é o maior responsável pela divulgação da Yoruba Art em todo mundo, Estados Unidos,Cuba, Alemanha, França, Inglaterra, Espanha, são os países onde o maior número de peças podem ser encontradas, em museus e coleções particulares.
Literatura Africana-Dança Na dança africana, cada parte do corpo movimenta-se com um ritmo diferente. Os pés seguem a base musical, acompanhados pelos braços que equilibram o balanço dos pés. O corpo pode ser comparado a uma orquestra que, tocando vários instrumentos, harmoniza-os numa única sinfonia. Outra característica fundamental é o policentrismo que indica a existência no corpo e na música de vários centros energéticos, assim como acontece no cosmo. A dança africana é um texto formado por várias camadas de sentidos. Esta dimensionalidade é entendida como a possibilidade de exprimir através e para todos os sentidos. No momento que a sacerdotisa dança para Oxum, ela está criando a água doce não só através do movimento, mas através de todo o aparelho sensorial. A memória é o aspeto ontológico da estética africana. É a memória da tradição, da ancestralidade e do antigo equilíbrio da natureza, da época na qual não existiam diferenças, nem separação entre o mundo dos seres humanos e os dos deuses.
A repetição do padrão-musical manifesta a energia que os fieis estão invocando. A repetição dos movimentos produz o efeito de transe que leva ao encontro com a divindade, muito usado em rituais. O mesmo ato ou gesto é praticado num número infinito de vezes, para dar à ação um caráter de atemporalidade, de continuação e de criação continua. Nas danças africanas o contato contínuo dos pés nus com a terra é fundamental para absorver as energias que deste lugar se propagam e para enfatizar a vida que tem que ser vivida agora e neste lugar, ao contrario das danças ocidentais performadas sobre as pontas a testemunhar a vontade de deixar este mundo para alcançar um outro. Existem várias danças. Entre elas destacam-se: lundu, batuque, Ijexá, capoeira, Coco (dança) congadas e jongo.
Tipos de Danças Africanas mais comuns: Kizomba Ritmo quente, originário de Angola, não pára de conquistar cada vez mais praticantes. É uma das danças sempre tocadas nas discotecas, não só africanas. Quente, suave, apaixonante… Vários estilos, técnicas, influencias. Toda variedade e diversidade de Kizomba. Samba É uma dança de salão angolana urbana. Dançada a pares, com passadas distintas dos cavalheiros, seguidas pelas damas em passos totalmente largos onde o malabarismo dos cavalheiros conta muito a nível de improvisação. O Semba caracteriza-se como uma dança de passadas. Não é ritual nem guerreira, mas sim dança de divertimento principalmente em festas, dançada ao som do Semba. Danças Caboverdianas Toda a variedade de ritmos originários de Cabo Verde: Funána, Mazurka, Morna, Coladera, Batuque. Danças Tribais Uma forte característica trazida para o Estilo Tribal das danças tribais é a coletividade. Não há performances solos no Estilo Tribal. As bailarinas, como numa tribo, celebram a vida e a dança em grupo. Dentre as várias disposições cênicas do Estilo Tribal estão a roda e a meia lua. No grande círculo, as bailarinas têm a oportunidade de se comunicarem visualmente, de dançarem umas para as outras, de manterem o vínculo que as une como trupe. Da meia lua, surgem duetos, trios, quartetos, pequenos grupos que se destacam para levar até o público esta interatividade.


Esculturas
Escultura da tribo Makonde, da África Oriental, c. 1974.


Esculturas em madeira
A escultura em madeira é a fabricação de múltiplas figuras que servem de atributo às divindades, podendo ser cabeças de animais, figuras alusivas a acontecimentos, fatos circunstanciais pessoais que o homem coloca frente às forças. Existem também objetos que denotam poder, como insígnias, espadas e lanças com ricas esculturas em madeira recoberta por lâminas de ouro sempre denotando um motivo alusivo à figura dos dignitários. Os utensílios de uso cotidiano, portas e portais para suas casas, cadeiras e utensílios diversos sempre repetindo os mesmo desenhos estilísticos.
Esculturas em outros materiais
Tecido Kente do Gana.

Além das esculturas em madeira existem os objetos confeccionados com fragmentos de vidro(apesar de estes serem raros) das mais variadas cores, colocados em gorros, possuindo uma gama de figuras humanas e de animais, feitas com fio de algodão que passam por todo o tecido, colocados sempre em combinação vertical. As pedras podem ser alternadas porCowrys, canudilhos metálicos ou de seda e algodão.
Neide da Costa tecelã do terreiro de Candomblé Ilê Axé Opô Afonjá, Salvador, Bahia.

Os tecidos são lisos ou estampados, os bordados são rebordados com linhas e com pedras de vidro. Confeccionam roupas longas e gorros. A inventividade do bordado com pedras de vidro está muito espalhada nas populações da República da Nigéria. Os suportes para abanos, crinas e rabos de animais, também decoram com pedras de vidro, canudilhos e cauris.
Os tecidos e o vestuário chegaram a um desenvolvimento plástico considerável em zona de cultura urbana, assimilando muitos elementos da indumentária islâmica e outros introduzidos pelos europeus colonialistas. O tear horizontal, permitiu a confecção variada de tiras que posteriormente se juntam longitudinalmente para formar tecidos maiores. Deste tipo de confecção o mais característico é o chamado Kente, entre os Ashanti. Ainda entre estes tecidos está o estampado chamado Denkira, com figuras diferentes que se combinam para estruturar um desenho ou determinar um motivo fundamental. Os desenhos são imersos em uma tintura vegetal e impressos em tecido branco estendido em uma almofada. O Alaká africano, conhecido como pano da costa no Brasil é produzido por tecelãs do terreiro de Candomblé Ilê Axé Opô Afonjá em Salvador, no espaço chamado de Casa do Alaká.


Materiais usados
Ferro
O ferro é utilizado a partir de uma prancha fundida mediante pressão e calor. São confeccionados muitos atributos em várias formas pelosAbomei, de quem é a imagem da entidade Gu, dono do ferro representado por uma figura antropomorfa. Com a mesma técnica são encontrados vários atributos a variadas entidades e também vários instrumentos musicais.
Nestas, os detalhes da figura humana estão um pouco resumidos, destacando algumas marcas regionais, e nisto, assim como nas proporções gerais, diferem das de Ifé, nas que se percebe a procura dos modelos anatômicos, como se fossem retratos, dentro de um tamanho menor. As cabeças de bronze apresentam variedades de caracteres faciais, presos em detalhes sutis que permitem apreciar diferentes expressões nos rostos e até incluem algumas deformações anatômicas.


Influência africana
No dia 28 de Outubro de 1846, o Presidente da República Joaquin Suárez, aboliu a escravidão no Uruguai num processo que começou em 1825. Com a abolição da escravidão, os rituais de dança africanos foram descritos em alguns documentos em Montevideo e no campo, que ficaram conhecidos como Tangós. O tango se desenvolveu simultaneamente em Montevideo e em Buenos Aires. Tradicionalmente considera-se uma criação de imigrantes italianos e espanhóis, os conhecedores opinam que a dança e a música africana influenciaram profundamente a música e os movimentos da dança que se associam com o tango.

Picasso e a África
Pablo Picasso (1881-1973), mesmo nunca tendo ido a África, produzia obras com máscaras e estátuas que ele tinha com ele enquanto trabalhava. Picasso dizia que o "vírus" da arte africana o tinha contagiado.

Outros artistas modernos e a arte africana
Além de Pablo Picasso (1881-1973), diversos outros artistas ocidentais do século XX também assimilaram criativamente a influência da arte africana, permitindo que ela renovasse seus próprios meios de expressão. Um desses artistas foi Henri Matisse. Conforme registra José D'Assunção Barros em um artigo sobre As influências da Arte Africana na Arte Moderna, o diálogo com as variadas formas africanas de expressar e representar o mundo e as expectativas sobrenaturais aparece bastante em uma parte relevante da produção matissiana, que se desenvolve paralelamente àquela pintura que o celebrizou, e que se caracteriza essencialmente pelas cores fortes e puras. O autor se refere, neste caso, à escultura de Matisse, que nem sempre é tão lembrada como sua arte pictórica, mas que ocupa certamente um lugar singular na história da arte ocidental. A escultura matissiana é especialmente inspirada na estatuária africana – particularmente a partir de algumas peças que o artista francês adquirira em 1906 – e revela-se aí um dos gêneros através dos quais as diversas formas de expressão africanas puderam penetrar mais decisivamente na arte moderna, além daquele outro gênero que incidiu mais diretamente sobre a pintura cubista de Pablo Picasso, e que foi a arte das máscaras ritualísticas.

África : cultura material e história


Marta Heloísa Leuba Salum (Lisy)
http://www.arteafricana.usp.br/codigos/textos_didaticos/textos_didaticos.html

1ª. Parte - África: cultura material e história

Para compreendermos a cultura material das sociedades africanas, a primeira questão que se impõe é a imagem que até hoje perdura da África, como se até sua "descoberta", fosse esse continente perdido na obscuridade dos primórdios da civilização, em plena barbárie, numa luta entre Homem e Natureza.

De fato, a história dos povos africanos é a mesma de toda humanidade: a da sobrevivência material, mas também espiritual, intelectual e artística, o que ficou à margem da compreensão nas bases do pensamento ocidental, como se a reflexão entre Homem e Cultura fosse seu atributo exclusivo, e como se Natureza e Cultura fossem fatores antagônicos.

E é isso que fez com que a distorção da imagem do continente africano, atingisse também os povos que ali habitavam. De acordo com as ciências do século XIX, inspiradas no evolucionismo biológico de Charles Darwin, povos como os africanos estariam num estágio cultural e histórico correspondente aos ancestrais da Humanidade. Dotados do alfabeto como instrumento de dominação não apenas cultural, mas econômica também, os europeus estavam em busca de suas origens, sentindo-se no vértice da pirâmide do desenvolvimento humano e da História. Vem daí as relações estabelecidas entre Raça e Cultura, corroborando com essa distorção.

Por isso, a história da África, pelo menos antes do contato com o mundo ocidental, em particular antes da colonização, não pode ser compreendida tomando-se como referência a organização dominante adotada pelas sociedades ocidentais. Normalmente fica no esquecimento, dado ao fato colonial, que não existe uma África anterior, a que se convencionou chamar África tradicional, diversa e independente, com suas particularidades sociais, econômicas e culturais.

As sociedades ocidentais, assim chamadas por oposição às não-ocidentais (não-européias), se estruturaram fundamentalmente sob o modo de produção capitalista. Além disso, o modo de produção dominante (não existe apenas um) numa sociedade pode nos dizer muito sobre a vida dessa sociedade, mas certamente não comporta explicações de todas as dimensões de como os homens que a constituem compreendem sua vida e modelam sua existência.

A degeneração da imagem das sociedades africanas, de suas ciências, e de seus produtos é resultado do projeto do Capitalismo, que difundiu a idéia de que o continente africano é tórrido e cheio de tribos perdidas na História e na Civilização. É resultado também do etnocentrismo das ciências européias do século XIX. É necessário, pois, ver de que História e de que Civilização se trata. E do ponto de vista histórico-econômico, o imperialismo colonial na África é meio e produto do Capital, uma das grandes invenções que vem desde a era dos Descobrimentos reforçada ainda mais pela consolidação do Liberalismo.

O viés econômico da História é um importante instrumento da Ideologia do Desenvolvimento, tipicamente ocidental. Dentro dessa linha de raciocínio, o Capital emerge de fora das sociedades de que tratamos para regrar suas atividades econômicas de modo diferente, conforme interesses externos aos dessas sociedades produtoras e dos povos que as constituem, modificando as relações sociais e impondo um novo modelo de pensar e agir.

As sociedades africanas tradicionais (ou pré-coloniais) tinham em suas atividades econômicas uma das formas de sobrevivência, de acordo com o meio ambiente em que viviam, de suas necessidades materiais e espirituais, e de toda uma tradição anterior de várias técnicas e tipos de produção. Havia muitos povos nômades, que precisavam se deslocar periodicamente, e havia povos sedentários, que fundando seus territórios, chegaram a constituir grandes reinos, desenvolvendo atividades econômicas produtivas, tanto de bens de consumo como de bens de prestígio (em que se destacam várias de suas artes de escultura e metalurgia).

O que a história oficial procurou velar é que os africanos desenvolveram várias formas de governo muito complexas, baseando-se seja em uma ordem genealógica (clãs e linhagens), seja em processos iniciáticos (classes de idade), seja, ainda, por chefias (unidades políticas, sob várias formas). Algumas grandes chefias, consideradas Estados tradicionais, são conhecidas desde o século IV (como a primeira dinastia de Gana), mesmo assim posteriores a grandes civilizações, cuja existência pode ser testemunhada pela arte, como a cerâmica de Nok (Nigéria), datada do século V a.C. ao II século d.C. Aliás, ela é uma das produções mais atingidas pelo tráfico do mercado negro das artes na África que coloca em risco toda uma história ainda não completamente estudada (cf. esse assunto e dois exemplares da cerâmica de Nok dos mais célebres clicando aqui).

Os impérios de Gana, Mali e outros se sucederam na África ocidental durante toda a Idade Média européia; reinos da África oriental e central (como os Lunda e Luba) se disputam entre os séculos XVI e XIX, sendo considerados semelhantes aos estados de modelo monárquico ou imperial. Outros estados centralizados marcam relações de longa data com o exterior, como o reino Kongo (a partir do século XIII). Então, é importante relativizar o peso conferido ao continente africano enquanto um dos territórios das "descobertas", como também é o caso das Américas. Em ambos os casos, a história dos povos que lá e aqui habitavam era considerada como inexistente pelos europeus, como se a história fosse resultado de uma cultura - a européia.

Normalmente se esquece de pensar que a "ação civilizadora" européia era para tirar suas elites da emergência de sua própria falência econômica: os europeus precisavam se apropriar de novas terras e mercados para alcançar hegemonia. E fizeram isso na perspectiva da exploração, sob pretexto de "descobrir" o que estava "perdido", tanto no globo terrestre (como se fosse seu quintal) como na história (como se ela fosse um produto acabado), sendo eles os sujeitos, no presente, do tempo e do espaço - passado e futuro. Ignoraram que os africanos já mantinham contatos seculares (provavelmente milenares) com outras civilizações: a egípcia, por exemplo, é africana, apesar das relações estabelecidas, e reconhecidas historicamente, com o Mediterrâneo antigo.

Devemos ainda lembrar que a penetração árabe no território africano vem do século VII, enquanto os primeiros contatos dos europeus com os africanos foram estabelecidos a partir do século XV. E tais contatos foram de viajantes e mercenários, do lado ocidental, e chefias bem estruturadas, do lado africano, resultando, em alguns casos, e durante alguns séculos, num comércio ativo, dada a força de grandes estados tradicionais na África, num clima muito diferente da situação colonial que sobreveio apenas no fim do século passado. Essa exploração teve o apoio da Etnologia da época, mas tornou-se um dos fundamentos da Antropologia, cujo desenvolvimento, através de várias teorias sobre as relações do Homem com a Natureza e a Cultura, permite-nos perceber as diferenças como características e valores fundamentais para a permanência e dinâmica da Humanidade.

É através dela que se permitiu reconhecer que os estados tradicionais africanos não foram apenas instrumentos de governo eficazes e agentes da história, mas estimularam a produção de grandes patrimônios materiais.É o caso das artes de Ifé e Benin, bem como das artes luba e kuba.

Confira uma terracota de ifé cuja réplica já foi exposta no Brasil clicando aqui). Da arte de Benin e arte luba confira as FIG 1 e 2, a sobre a arte kuba veja uma de suas estátuas mais célebres clicando aqui).

FIGURA 1:Figura de rei, arte de Benin, Nigéria, acervo MAE-USP

FIGURA 2: Estatueta do tipo chamada "de ancestral", arte luba-hemba, Republica Democrática do Congo, acervo MAE-USP

Há muitas outras modalidades da arte africana que dominam, junto com essas, a gênese de uma história da arte africana, mesmo que sempre apartada da história universal da arte. Por isso, não deixe de conferir a linha do tempo da história da arte no continente africano proposta pelo Museu Metropolitano de Nova Iorque clicando aqui.

O fato de não terem escrito sua história anteriormente, não quer dizer que os africanos, bem como os povos autóctones das Américas e da Oceania, não tinham história, muito menos que não tinham escrita. Objetos de arte considerados apenas decorativos estão plenos de mensagens codificadas por signos e símbolos que podem ser "traduzidos", ou interpretados verbalmente, como é o caso de muitos objetos proverbiais (FIG 3).

FIGURA 3: Pesos de latão para medição de pó de ouro, arte ashanti, acervo MAE

Confira também o artigo de Lucia Harumi Borba Chirinos neste site. (LINK4A) Além disso, na tradição oral, ou no registro oral da história dos povos africanos, podemos constatar que o tempo é marcado pelo evento, e que esse evento não se situa num vazio: ele supõe um lugar exato, um instante único (p. ex., a queda de um cometa célebre, uma enchente inusitada, marcando feitos de um governo determinado, de um chefe conhecido e nominado). Do mesmo modo, podemos pensar na revalidação da informação histórica em objetos que expressam, através de mesclas de estilo ou da própria iconografia, deslocamentos das comunidades africanas, formando grandes correntes migratórias pelo continente, seja de caráter cultural, comercial ou outro.

Esses contatos, determinando combinações de elementos originais de um povo com outro(s), promoveram um dinamismo externo e explicam a unidade cultural da África. Por outro lado, a história desses povos pelo continente é uma história de conquistas, de legitimação do território a ser habitado e cultivado, explicando a diversidade cultural existente.

A mudança social provocada pelo fato colonial faz parte dessa história, mesmo que a intenção da colonização era acabar com ela. O período colonial africano é recente, durando de 1883-1885 até pouco mais da metade do século XX. Nesse período, os governos europeus dividiram e reagruparam as sociedades tradicionais da África em colônias, cujas fronteiras não correspondiam aos seus territórios originais.

Nas décadas de 1950 e 1960, depois das independências conquistadas individualmente, mas num grande movimento de solidariedade entre nações, as linhas de divisa colonial foram de modo geral absorvidas na configuração dos países atuais, a partir de então com seus próprios governos. Mesmo assim, até hoje são países que lutam com dificuldade, tentando recuperar suas origens ancestrais, e prosseguir suas vidas dentro do quadro da globalização imposto mundialmente. As lutas civis, e a presença de ditadores compactuados com potências estrangeiras na África atual refletem ainda os problemas que a exploração européia e a ideologia do desenvolvimento causaram aos povos africanos, esgotando seus minérios e suas florestas, degradando seu meio ambiente, alterando seu ecossistema, estabelecendo uma ordem completamente diferente sobre uma experiência secular de vida.

É evidente que a exploração da África não se deu apenas na sua colonização, esta já tão truculenta em si mesma, lembrando que durante esse período os africanos não foram apenas usurpados em suas economias e territórios, mas em seus modos de existência e de pensamento, principalmente através de ações missionárias. Sabemos como a Igreja manipulou o Cristianismo sob pretexto de uma ação civilizatória compactuada com países europeus.

Aqui estamos falando apenas daqueles que permaneceram no continente e não dos que foram sequestrados para a industria da escravidão que durou pelo menos quatro séculos. Podemos dizer que se o futuro de alguns africanos (os que foram feitos escravos) continuou aqui no Brasil (e nas Américas), e o passado de povos africanos na África ficou na memória coletiva e no silêncio da cultura material, temos muito a repensar sobre a nossa história em comum, encontrando, oxalá, nossos valores para o futuro.

Por isso, não podemos admitir nada de primitivo na história e na cultura material dos povos africanos, vez que se trata de sociedades que têm atrás de si mesmas existência milenar. Temos testemunhos plásticos e iconográficos do séculos V, VI e até VII a.C. nos países do Mediterrâneo antigo, que demonstram não apenas a presença da civilização egípcia, como também das civilizações da África sub-saariana, esta chamada de África negra. Vê-se aqui a antiguidade das culturas africanas, bem como sua dinâmica, alimentada não apenas por fluxos internos, mas também externos, desde longa data. Ao lado de tudo isso, lembrar que descobertas arqueológicas vêm demonstrando a precedência da espécie humana e de suas indústrias no continente africano, antes dos seus vestígios em território europeu, como o caso do exemplar mais antigo do homo sapiens sapiens (nossa espécie) descoberto no Quênia, datado de 130 mil anos atrás.

É importante, portanto, ter sempre em vista que o continente africano é imenso, com centenas de grupos étnicos ou sociedades, que não devemos chamar de tribos, pois o sistema de parentesco, além de não ser a única forma de organização, manifesta-se em grande diversidade e complexidade na composição dos grupos culturais. Hoje as sociedades africanas são sociedades modernizadas, o que não quer dizer que antes elas não tinham organização. Com uma hierarquia de obrigações e direitos, e com uma tecnologia própria ditada pela sua economia, seja ela de subsistência ou de comércio, algumas sociedades tradicionais voltavam-se mais para a agricultura, outras para a caça e pesca, e não raro, essas atividades eram mescladas. Não há conhecimento de grupos africanos sem um tipo de organização, seja em pequenas chefias a grandes repúblicas e reinos, até que as grandes potências ocidentais invadiram e colonizaram o território africano.

Em contrapartida, devemos também estar alertos para não nos valermos do que, entre nós, é tido como premissa de civilização, achando que com isso chegamos à compreensão de outros povos. Ao lado de técnicas de metalurgia ou cultivo, ao lado de chefias ou de um comércio ativo, cada sociedade, cada cultura tem um sistema de categorias próprias de pensamento e existência, sendo ele o que a diferencia das outras, e o que lhe dá real relevância perante a Humanidade. A cultura material e a arte, pelo seu caráter concreto (de "coisas", objetos), podem ser veículos eficientes para que tais categorias não fiquem tão vulneráveis à ação destruidora de nosso etnocentrismo, desde que sejam enfocadas como produtos de sociedades diferentes e não desiguais.

2ª. Parte - África: cultura material e arte africana

As artes plásticas da África que vemos nos livros e coleções são produtos desenvolvidos ao longo de séculos. Sejam esculpidos, fundidos, modelados, pintados, trançados ou tecidos, os objetos da África nos mostram a diversidade de técnicas artísticas que eram usadas nesse continente imenso, e nos dão a dimensão da quantidade de estilos criados pelos povos africanos.

Tais estilos são a marca da origem dos objetos, isto é, cada estilo ou grupo de estilos corresponde a um produtor (sociedade, ateliê, artista) e localidade (região, reino, aldeia). Mesmo assim, devemos lembrar que os grupos sociais não podem ser considerados no seu isolamento, e, portanto, é natural que a estética de cada sociedade africana compreenda elementos de contato. Além disso, cada objeto é apenas uma parte da manifestação estética a que pertence, constituída por um conjunto de atitudes (gestos, palavras), danças e músicas. Isso pode determinar as diferenças entre a arte de um grupo e de outro, tendo-se em vista também o lugar e a época ou período em que o objeto estético-artístico era visto ou usado, de acordo com a sua função.

Portanto, a primeira coisa a reter é que, na África, cada estátua, cada máscara, tinha uma função estabelecida, e não eram expostas em vitrines, nem em conjunto, nem separadamente, como vemos dos museus. Outra coisa deve ser lembrada: a arte africana é um termo criado por estrangeiros na interpretação da cultura material estética dos povos africanos tradicionais, diferente das artes plásticas da África contemporânea que se integram, como as nossas, brasileiras e atuais, no circuito internacional das exposições.

Se hoje ainda há uma produção similar aos objetos tradicionais, ela deve-se no maior das vezes às demandas de um mercado turístico, motivado pela curiosidade e exotismo.

Com referência aos objetos muito semelhantes aos tradicionais ainda em uso em rituais religiosos ou festas populares há, assim como no Brasil, na África atual, uma cultura material, que, apesar de sua qualidade estética, é considerada, também pelos africanos de hoje, "religiosa" ou "popular" nos moldes ocidentais, onde o antigo e moderno são historicamente discerníveis. Isso não quer dizer, no entanto, que, através de conteúdos e símbolos, a arte africana atual não esteja impregnada do tradicional, ainda que se manifestando em novas formas. Ao contrário, as especificidades da estética tradicional africana é visível também, nos dias atuais, nas produções artísticas dos países de fora da África, principalmente daqueles, como o Brasil, cuja população e cultura foram formadas por grandes contingentes africanos.

Mas aqui, neste texto, estaremos tratando sempre dessas produções realizadas pelos africanos antes da ruptura entre tradição e modernidade. Daqui para frente, devemos relativizar o uso do tempo verbal, e lembrar que a expressão arte africana é, queiramos ou não, um reducionismo inventado por estrangeiros, mas que está cristalizada entre nós, relativa a toda produção material estética da África produzida antes e durante a colonização, até meados do século XX, trazida à Europa por viajantes, missionários e administradores coloniais.

Não seria difícil encontrarmos nessa arte africana alguns elementos de aproximação com os de correntes da arte ocidental, do naturalismo ao abstracionismo. Mas esse tipo de comparação não é capaz de nos desvendar o verdadeiro sentido da arte africana tradicional, porque esta não foi feita para ser realista ou cubista, isto é, ela não era um exercício de reflexão sobre a forma, ou sobre a matéria, como nas artes plásticas entre nós. Apesar disso, podemos identificar na arte africana os elementos que permitiram a artistas, como Picasso, a revolucionar a arte ocidental.

O cubismo, portanto, é uma invenção intelectual dos europeus, que nada tem a ver com a intenção dos africanos: enquanto no cubismo a representação do objeto se dá de diversos pontos de vista, em diversas de suas dimensões formais ao mesmo tempo, a estética africana busca, ao contrário, uma síntese do objeto ou do tema construído materialmente, plena de objetivo, inspiração e conteúdo.

Uma estátua não representa, normalmente, um Homem, mas um Ser Humano integral, que tem uma parte física e espiritual - do passado e do futuro. Tem, por isso, um lado sagrado, ligado às forças da Natureza e do Universo. Uma máscara ou uma estátua concentram forças inerentes do próprio material de que são constituídas, ou que comportam em seu interior ou superfície, além de sua própria força estética. Elas não têm, portanto, uma função meramente formal.

Ainda assim, podemos observar que algumas produções são mais realistas ou mais geométricas. O realismo ocorre com frequência nas estátuas, talvez por seu caráter representativo (de uma figura humana, da imagem onírica de um antepassado), enquanto que o geometrismo aparece muito nas máscaras, principalmente naquelas que representam espíritos e seres sobrenaturais, melhor dizendo, o desconhecido (mas existente no plano consciente e inconsciente). Mesmo assim, nada disso permite dizer ou não é isso que determina haver uma linha divisória clara entre uma forma e outra, ou um estilo e outro.

Mas podemos distinguir uma arte produzida na África ocidental e a produzida na África central. E dentro dessas grandes áreas geográficas, podemos distinguir estilos seja pelos detalhes, seja pelo tema ou tipo do objeto produzido. Por exemplo, as produções artísticas dos Dogon e Bambara são muito distintas embora situadas, por alguns autores, dentro de uma mesma faixa estilística (chamada de "sudanesa"), já que elas apresentam uma certa continuidade formal ou temática, além do fato de que tais sociedades ocupam territórios contíguos permeados por identidades históricas, geográficas e ambientais. No entanto, as portas de celeiro são renomadas entre os Dogon (FIG 4 ), e o tema do antílope é mais reconhecido, embora não exclusivo, na arte Bambara (FIG 5).

FIGURA 4: Porta de celeiro, arte dogon, Mali, acervo MAE-USP

FIGURA 5: Topo de máscara "tyi-wara", arte bambara, Mali, acervo MAE- USP

Esse tipo de objeto (porta de celeiro) e esse tema (antílope) celebram a arte dos Dogon e dos Bambara respectivamente não apenas porque foram encontrados em abundância entre eles, mas também porque são considerados por esses povos como signos específicos de sua cultura em circunstâncias dadas na sua tradição oral.

É oportuno lembrar que a distinção entre os estilos só pode ser determinada por uma série de estudos interdisciplinares que apoiam a análise morfo-estilística. Entre essas disciplinas estão a arqueologia e etno-história, que, apesar de suas especificidades, estão intimamente ligadas à etnografia e à Antropologia.

Os procedimentos técnicos e a matéria-prima usados na produção material podem "falar" muito sobre o estilo, assim como sobre o meio ambiente em que determinadas sociedades vivem. A madeira era muito usad-a nas regiões de floresta. É por isso que a estatuária africana está concentrada na chamada África ocidental e na África central, regiões onde predominava a floresta equatorial e tropical, e onde se conservam apenas partes dela hoje em dia.

O uso do metal, embora tenha sido corrente em todo o continente, caracterizou as produções artísticas da savana, onde floresceram grandes reinos, tanto na África ocidental quanto na central, onde a arte era fundamentalmente ligada à organização social e política, a serviço de mandatários, através de ateliês oficiais - caso da chamada "arte de côrte" de Ifé e Benin (já ilustrada acima) ou da escultura da associação Ogboni fieta pelo sofisticado processo de fundição pela cera perdida (FIG 6).

FIGURA 6: Ilustração das etapas da fundição de um par de "edan" pela técnica da cera perdida, arte ogboni/ioruba, Nigéria, acervo MAE-USP.

Junto a essas produções de metal devemos mencionar a escultura em marfim, renomada não apenas entre povos do Golfo da Guiné e do Benin (como os ioruba) mas também entre os da embocadura do Rio Congo (como os Bakongo), que desde o século XV era requerida pelos "gabinetes de curiosidade" da Europa (veja clicando aqui). Bruto ou trabalhado, o marfim, assim como o cobre, era considerado precioso em todas as sociedades africanas, desde muito antes do tráfico (desde a antiguidade, pelo Vale do Nilo e pelo Saara), mas é certo que o contato com o mundo ocidental, desde o Renascimento europeu, promoveu um desenvolvimento de uma arte africana em marfim já voltada para o comércio e turismo como a da atualidade.

Outras artes, como a cerâmica, cestaria, adornos corporais, eram feitas tradicionalmente por todas as sociedades, respondendo às necessidades cotidianas e rituais, sendo que podemos destacar algumas em que essas técnicas eram mais usadas do que a escultura, de acordo com o modelo de organização social e as formas de expressão estética. Nesses casos, os recursos gráficos eram mais aplicados do que os recursos representativos da escultura. Aqui podem ser compreendidos, particularmente, os produtos de sociedades situadas em regiões semi-áridas, que, em busca periódica de novos territórios, não podiam transportar com facilidade bens móveis de grande porte. Mas às vezes esses modelos de análise se mostram arbitrários, pois a arte decorativa pode imperar também onde as figurativas e realistas são muito destacadas, e onde a produção estética está voltada à legitimação de um poder monárquico e centralizado como dos Bakuba (FIG 7), e que também comporta uma importante estatuária conforme ilustrado acima.

FIGURA 7: Montagem de objetos utilitários com decoração típica, arte kuba, Republica Democrática do Congo, acervo MAE-USP.

Assim, o material nem sempre era usado por sua abundância ecológica e a escolha do material não era arbitrária: como o objeto que iria ser produzido, o material tinha um valor simbólico em cada centro de produção. Algumas máscaras e estátuas deveriam ser esculpidas em madeira de árvores determinadas; a confecção de adornos implicava no uso de determinadas fibras e sementes, e, em alguns casos, de tipos diferentes de contas, se não de um tipo de liga metálica, de marfim e outros materiais de origem inorgânica e animal.

Certos detalhes morfológicos dos objetos, como a posição, o tamanho, a distribuição de cores, entre outros, são características diferenciais do estilo com que cada sociedade representa uma forma e um tema. Mas existe uma série de características culturais comuns entre os povos da África e diversas das de sociedades de outros continentes que permeiam suas artes tradicionais de uma forma singular: seus sistemas de pensamento e de crenças.

3ª. Parte - África: cultura material, filosofia e religião

Antes de mais nada, devemos lembrar que a dissociação entre Religião e outras esferas da Cultura existente no Ocidente, e na Modernidade, não faz parte da natureza da Humanidade. E, como vimos, as sociedades da África pertencem a complexos culturais muito antigos, reciclando valores arraigados pela Tradição, caracterizando-se por uma maneira de produzir bens espirituais e materiais de acordo com sua história e com o meio ambiente onde se formaram.

Para compreendermos os sistemas de pensamento e de crenças das sociedades africanas, devemos ter sempre em mente a dinâmica tradição-modernidade, e, como fizemos com respeito à arte, relativizar o que pertenceu ao passado e o que, e sob que forma, permanece no presente.

Cada cultura africana tinha, antes da ruptura social, sua forma de conceber o mundo, de explicar suas origens e de formular o que lhes convêm, conforme mostram os mitos e lendas, bem como o discurso das pessoas mais antigas, que viveram antes ou durante a situação colonial. Isso demonstra a grande diversidade cultural no continente, correspondente à diversidade de formas e estilos na arte tradicional.

Apesar disso, no plano filosófico, podemos assinalar um aspecto que dá unidade aos povos da África tradicional: o indivíduo é considerado vivo porque tem um ascendente (é filho, neto de alguém), e quem vai lhe garantir a finalidade e memória de sua vida e existência é a perspectiva de seu descendente (seu futuro filho e neto). Portanto a noção de morte está concretamente ligada à de vida : morrer significa não procriar. Sem filhos, a linhagem familiar se extingue - vida e morte não são apenas biológicas, mas sociais principalmente. A existência do indivíduo se traduz através do seu ser-estar (o que implica em tempo e espaço ou lugar) no mundo, através do cotidiano, no trabalho ou no lazer, sempre conectado ao universo social, cósmico, natural e sobrenatural ao mesmo tempo, sendo impossível separar o que é concreto e espiritual, ou determinar o que é sagrado ou profano, na vida desses povos.

Nesse contexto, o exercício da existência volta-se para questões que vão além do poder econômico, o que não exclui a preocupação social e individual com o status (disputado e atribuído a indivíduos de prestígio como sábios e dirigentes), já que ele é uma das chaves para que o grupo tenha uma estrutura para permanecer unido e forte visando ao advento de futuras gerações.

Daí, a profusão de imagens antropomórficas esculpidas a que se chama de "ancestrais", já que normalmente, mas nem sempre como se divulga através de publicações, eram relacionadas, e usadas, no culto de antepassados. Os chamados "fetiches", aí colocados em oposição aos "ancestrais", são objetos, esculpidos ou não, constituídos de vários materiais agregados. O conceito de fetiche é discutível, pois, significando "coisa feita", é relacionado sempre à magia e a feitiçaria num sentido distorcido.

FIGURA 8: Estatueta "buti", do tipo chamada de "fetiche", arte teke, Republica Democrática do Congo, acervo MAE-USP.

Na verdade, os materiais dos "fetiches" entre os quais são também classificadas estatuetas dos Bateke (FIG 8, acima) - simbolizam partes dos mundos animal, vegetal e mineral, aludindo uma idéia de totalidade construída pelos africanos, baseada em seu conhecimento sobre as forças da Natureza (muitas vezes relacionados à cura medicinal) e do Cosmo. Isso explica porque muitas das estatuetas chamadas de "fetiches", em contrapartida, tinham relações diretas com o culto de antepassados, fundado na idéia de acúmulo de forças através de gerações sucessivas e da apropriação do território.

Outras duas características nos sistemas filosófico e de crenças das sociedades africanas tradicionais é a consciência de periodicidade e infinitude, isto é, a idéia de que o descendente vem do ascendente e a idéia, que vem em decorrência disso, de que o passado está intimamente ligado ao futuro, passando pelo presente.

Um indivíduo vivendo em sociedade em um determinado período histórico supõe a existência de outro ou outros indivíduos (filho, neto, bisneto, etc) em períodos subsequentes, graças à existência daqueles que vieram antes dele, e criaram regras para que seus contemporâneos e conterrâneos pudessem seguir vivendo, articulando-se conforme as condições de sobrevivência. Há um provérbio de origem africana em que podemos constatar essa característica de infinitude, de que a vida é infinita: "uma vez que é dia, depois noite, qual será o fim deles?".

Esse tipo de pensamento comporta uma perspectiva dinâmica que não corresponde à idéia de que esses povos não teriam história antes dos europeus chegarem, e que eles viviam sempre do mesmo modo que seus avós e bisavós. Outro provérbio africano nos permite constatar essa característica de periodicidade, de que a vida é periódica - e histórica: "as coisas de amanhã estão na conversação das pessoas de amanhã".

Vemos aqui uma preocupação em regrar o que acontece no presente, o que é uma responsabilidade dos que vivem para garantir a existência do futuro, e que não há nada de estático nisso, ao contrário, há uma previsão de mudança, uma consciência de que há um dinamismo na vida, na existência, não apenas por modificações ambientais naturais, mas também modificações técnicas e filosóficas determinadas pela sucessão de gerações.

Desse modo, os africanos preservavam regras de sua Cultura, modificando-as quando necessário, sem precisar de outras normas vindas de fora, coisa que os Europeus não podiam entender, pois eles se consideravam superiores a todos os povos não-europeus.

Esse sentimento de superioridade vem da constatação da diferença. Na visão judaico-cristã, por exemplo, os africanos foram tidos como povos animistas, isto é, aqueles que atribuem vida às coisas e seres inanimados, e acreditando que plantas e animais são dotados de "alma", sendo portanto capazes de agir como seres humanos. Isso não é verdade e deturpa as formas autênticas de concepção do mundo dos africanos, colocando-os como inferiores, ou "primitivos".

O que ocorre, na verdade, é que na África tradicional a concepção de mundo é uma concepção de relação de forças naturais, sobrenaturais, humanas e cósmicas. Tudo que está presente para o Homem tem uma força relativa à força humana, que é o princípio da "força vital", ou do axé - expressão ioruba usada no Brasil. As árvores, as pedras, as montanhas, os astros e planetas, exercem influência sobre a Terra e a vida dos humanos, e vice-versa. Enquanto os europeus queriam dominar as coisas indiscriminadamente, os africanos davam importância a elas, pois tinham consciência de que elas faziam parte de um ecossistema necessário à sua própria sobrevivência. As preces e orações feitas a uma árvore, antes dela ser derrubada, era uma atitude simbólica de respeito à existência daquela árvore, e não a manifestação de uma crença de que ela tinha um espírito como dos humanos. Ainda que se diga de um "espírito da árvore", trata-se de uma força da Natureza, própria dos vegetais, e mais especificamente das árvores. Assim, os humanos e os animais, os vegetais e os minerais enquadravam-se dentro de uma hierarquia de forças, necessária à Vida, passíveis de serem manipuladas apenas pelo Homem. Isso, aliás, contrasta com a idéia de que os povos africanos mantinham-se sujeitos às forças naturais, e, portanto, sem cultura. Os povos da África tradicional admitem a existência de forças desconhecidas, que os europeus chamaram de mágicas, num sentido pejorativo. Mas a "mágica", entre os africanos, era, na verdade, uma forma inteligente - de conhecimento - de se lidar com as forças da Natureza e do Cosmo, integrando parte de suas ciências e sobretudo sua Medicina.

Esses elementos filosóficos podem ser vistos expressados graficamente nas decorações de superfície de esculturas, na tecelagem e no trançado, e na própria arquitetura, através de figuras geométricas (zigue-zagues, linhas onduladas, espirais - contínuas e infinitas), de figuras zoomorfas (cobras, lagartos, tartarugas - que, além de sua forma, estão associadas à idéia de vitalidade e longevidade).

Trata-se de uma linguagem gráfica simbólica, equivalente a da figura antropomórfica em estátuas e estatuetas, onde se ressaltam cabeça, mãos e pés, seios, ventre, orgãos sexuais (todos considerados, de um modo geral, centros de força vitais). Elas expressam, do mesmo modo que os grafismos, aspectos relacionados ao tema da reprodução humana e à capacidade de produção do conhecimento necessário à perpetuação da espécie humana, mesmo que individualmente, venham a desempenhar funções e a expressar significados específicas(FIG 9).

FIGURA 9: Estatueta "akua-ba", arte ashanti, Gana, acervo MAE-USP

Temas como a fertilidade da mulher e fecundidade dos campos são freqüentes e quase que indissociáveis na expressão artística, estabelecendo a relação entre a abundância de alimento e a multiplicação da prole, um fator concreto em sociedades agrárias. O tema do duplo remete à relação de fatores complementares ou antagônicos (dia-noite, homem-mulher). Todas essas formas gráficas e representativas são um recurso para apresentar, sob forma material, um conjunto de idéias sobre a existência concebida visando ao equilíbrio e à perpetuação biológica e espiritual do grupo social.

Dizem que os africanos não tinham Deus, ou que tinham vários deuses, o que não parece ser muito preciso. Em quase todas as populações da África foram registrados depoimentos da criação do mundo, em que existe apenas um único "Deus". Trata-se de uma força primordial, um Criador que criou o Mundo e os Homens, colocou-os na Terra, e deixou-os ao seu Destino (FIG 10).

FIGURA 10: Topo de máscara, arte senufo, Costa do Marfim, acervo MAE-USP.

Essas histórias de origem podem ser chamadas de mitos porque se trata de seres não conhecidos em vida (que estão na memória coletiva), sendo por isso míticos, sem que se caia no erro de desconsiderá-los, como fizeram os ocidentais, como idéias sem valor científico e histórico. Tais mitos de origem comportam freqüentemente o relato de pares primordiais, de gêmeos ou duplas, que vieram para cultivar e povoar o mundo, e, muitas vezes, seres zoo-antropomorfos que, dotados da tecnologia (instrumentos agrários ou de caça), vieram para ensinar os Homens a produzir e obter alimento, para se multiplicarem, zelando, eles - os Homens -, pela sua própria permanência em vida.

Uma das diferenças dessas idéias com relação às idéias de mundo cristãs é a consciência de que cada ser que está presente no mundo tem seu papel, e que a força dos Homens é humana, e não divina. Daí a necessidade de uma relação constante com os antepassados, visando às futuras gerações. Esse pode ser apontado como um significado substantivo das várias formas de culto de ancestrais.

É por isso que a vida dos povos africanos é tida como muito mais ritualizada que no mundo cristão. O mundo material e o espiritual são concebidos juntos, quase que inseparáveis, o que implica em modelos de culto e religião completamente diferentes do que se adotou no Ocidente, que por sua vez serviu de modelo para outros povos formados na modernidade, como é o caso brasileiro.

Os Candomblés (são várias as formas como essa religião brasileira de origem africana se apresenta) conservam formas de culto muito próximas às de cultos tradicionais da África ocidental (sobretudo dos Fon e dos Ioruba), adotando emblemas, nomes e outras características de suas divindades (e, às vezes, das divindades dos povos de línguas bantu, ou dos chamados Bantos, da África central), bem como a hierarquia de poder iniciático (FIG 11 a 13).

FIGURA 11: Colar de babalaô, arte nagô, República Popular do Benim, acervo MAE-USP

FIGURA 12: Estátua de Iemanjá, arte afro-brasileira, Salvador/Brasil, acervo MAE-USP

FIGURA 13: Opaxorô, arte afro-brasileira, Salvador/Brasil, acervo MAE-USP.

Mas, numa aproximação ainda que a grosso modo, eles teriam uma estrutura de panteão, como a das religiões grega e cristã. Isso quer dizer que existe um Criador e uma porção de outras divindades articuladas em camadas subalternas. Os cultos tradicionais da África, por sua vez, voltavam-se, em linhas gerais, aos antepassados ou a divindades da Natureza. Neste último caso, poderia ser enquadrado o Culto de Orixás - apelação dada às divindades de origem ioruba ou nagô (os voduns, inquices e caboclos são divindades de povos africanos de outras origens) -, em que se baseiam a maioria dos candomblés, muito embora muitas dessas divindades celebram chefes políticos sacralizados, com uma qualidade divina, de uma localidade (ou reino) determinado, onde são considerados como antepassados.

Para concluir, grande parte da escultura antropomórfica seja da África ocidental, seja da central, é uma "presentificação" desses personagens míticos ou mesmo conhecidos em vida - antepassados fundadores de territórios, chefes de linhagem ou chefes eleitos renomados por feitos realizados durante seus governos. Em peças desse tipo transparece a grande relação entre política e religião, motivo pelo qual estátuas, bustos e cabeças, tendo uma força acumulada de vários níveis, não podiam ser vistas por todas as pessoas, se não os altos iniciados nos cultos, ou seja, aqueles que tinham status social e religioso, sendo que em muitas sociedades, o chefe político era também o sacerdote supremo.

E, neste final, resta a contradição: grande parte da arte africana, que tanto nos mobiliza o olhar pelo impacto estético, era feita, antes de ser tirada de seu contexto, para não ser vista, a menos que houvesse uma ocasião precisa para isso. Está aí está a demonstração da grandeza e do poder de uma cultura material, depositária não de segredos, mas de fundamentos, a serviço da história e cultura dos povos africanos, que dentro e fora de seu território original, continuam sua existência, formando novos valores, como acontece entre nós, no Brasil.

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TEMPELS, P. La philosophie bantoue. Paris: Présence africaine, 1948.

VERGER, P. Orixás : deuses iorubás na África e no Novo Mundo. São Paulo: Currupio; Círculo do Livro, 1985.


1ª. Parte - África: cultura material e história

Para compreendermos a cultura material das sociedades africanas, a primeira questão que se impõe é a imagem que até hoje perdura da África, como se até sua "descoberta", fosse esse continente perdido na obscuridade dos primórdios da civilização, em plena barbárie, numa luta entre Homem e Natureza.

De fato, a história dos povos africanos é a mesma de toda humanidade: a da sobrevivência material, mas também espiritual, intelectual e artística, o que ficou à margem da compreensão nas bases do pensamento ocidental, como se a reflexão entre Homem e Cultura fosse seu atributo exclusivo, e como se Natureza e Cultura fossem fatores antagônicos.

E é isso que fez com que a distorção da imagem do continente africano, atingisse também os povos que ali habitavam. De acordo com as ciências do século XIX, inspiradas no evolucionismo biológico de Charles Darwin, povos como os africanos estariam num estágio cultural e histórico correspondente aos ancestrais da Humanidade. Dotados do alfabeto como instrumento de dominação não apenas cultural, mas econômica também, os europeus estavam em busca de suas origens, sentindo-se no vértice da pirâmide do desenvolvimento humano e da História. Vem daí as relações estabelecidas entre Raça e Cultura, corroborando com essa distorção.

Por isso, a história da África, pelo menos antes do contato com o mundo ocidental, em particular antes da colonização, não pode ser compreendida tomando-se como referência a organização dominante adotada pelas sociedades ocidentais. Normalmente fica no esquecimento, dado ao fato colonial, que não existe uma África anterior, a que se convencionou chamar África tradicional, diversa e independente, com suas particularidades sociais, econômicas e culturais.

As sociedades ocidentais, assim chamadas por oposição às não-ocidentais (não-européias), se estruturaram fundamentalmente sob o modo de produção capitalista. Além disso, o modo de produção dominante (não existe apenas um) numa sociedade pode nos dizer muito sobre a vida dessa sociedade, mas certamente não comporta explicações de todas as dimensões de como os homens que a constituem compreendem sua vida e modelam sua existência.

A degeneração da imagem das sociedades africanas, de suas ciências, e de seus produtos é resultado do projeto do Capitalismo, que difundiu a idéia de que o continente africano é tórrido e cheio de tribos perdidas na História e na Civilização. É resultado também do etnocentrismo das ciências européias do século XIX. É necessário, pois, ver de que História e de que Civilização se trata. E do ponto de vista histórico-econômico, o imperialismo colonial na África é meio e produto do Capital, uma das grandes invenções que vem desde a era dos Descobrimentos reforçada ainda mais pela consolidação do Liberalismo.

O viés econômico da História é um importante instrumento da Ideologia do Desenvolvimento, tipicamente ocidental. Dentro dessa linha de raciocínio, o Capital emerge de fora das sociedades de que tratamos para regrar suas atividades econômicas de modo diferente, conforme interesses externos aos dessas sociedades produtoras e dos povos que as constituem, modificando as relações sociais e impondo um novo modelo de pensar e agir.

As sociedades africanas tradicionais (ou pré-coloniais) tinham em suas atividades econômicas uma das formas de sobrevivência, de acordo com o meio ambiente em que viviam, de suas necessidades materiais e espirituais, e de toda uma tradição anterior de várias técnicas e tipos de produção. Havia muitos povos nômades, que precisavam se deslocar periodicamente, e havia povos sedentários, que fundando seus territórios, chegaram a constituir grandes reinos, desenvolvendo atividades econômicas produtivas, tanto de bens de consumo como de bens de prestígio (em que se destacam várias de suas artes de escultura e metalurgia).

O que a história oficial procurou velar é que os africanos desenvolveram várias formas de governo muito complexas, baseando-se seja em uma ordem genealógica (clãs e linhagens), seja em processos iniciáticos (classes de idade), seja, ainda, por chefias (unidades políticas, sob várias formas). Algumas grandes chefias, consideradas Estados tradicionais, são conhecidas desde o século IV (como a primeira dinastia de Gana), mesmo assim posteriores a grandes civilizações, cuja existência pode ser testemunhada pela arte, como a cerâmica de Nok (Nigéria), datada do século V a.C. ao II século d.C. Aliás, ela é uma das produções mais atingidas pelo tráfico do mercado negro das artes na África que coloca em risco toda uma história ainda não completamente estudada (cf. esse assunto e dois exemplares da cerâmica de Nok dos mais célebres clicando aqui).

Os impérios de Gana, Mali e outros se sucederam na África ocidental durante toda a Idade Média européia; reinos da África oriental e central (como os Lunda e Luba) se disputam entre os séculos XVI e XIX, sendo considerados semelhantes aos estados de modelo monárquico ou imperial. Outros estados centralizados marcam relações de longa data com o exterior, como o reino Kongo (a partir do século XIII). Então, é importante relativizar o peso conferido ao continente africano enquanto um dos territórios das "descobertas", como também é o caso das Américas. Em ambos os casos, a história dos povos que lá e aqui habitavam era considerada como inexistente pelos europeus, como se a história fosse resultado de uma cultura - a européia.

Normalmente se esquece de pensar que a "ação civilizadora" européia era para tirar suas elites da emergência de sua própria falência econômica: os europeus precisavam se apropriar de novas terras e mercados para alcançar hegemonia. E fizeram isso na perspectiva da exploração, sob pretexto de "descobrir" o que estava "perdido", tanto no globo terrestre (como se fosse seu quintal) como na história (como se ela fosse um produto acabado), sendo eles os sujeitos, no presente, do tempo e do espaço - passado e futuro. Ignoraram que os africanos já mantinham contatos seculares (provavelmente milenares) com outras civilizações: a egípcia, por exemplo, é africana, apesar das relações estabelecidas, e reconhecidas historicamente, com o Mediterrâneo antigo.

Devemos ainda lembrar que a penetração árabe no território africano vem do século VII, enquanto os primeiros contatos dos europeus com os africanos foram estabelecidos a partir do século XV. E tais contatos foram de viajantes e mercenários, do lado ocidental, e chefias bem estruturadas, do lado africano, resultando, em alguns casos, e durante alguns séculos, num comércio ativo, dada a força de grandes estados tradicionais na África, num clima muito diferente da situação colonial que sobreveio apenas no fim do século passado. Essa exploração teve o apoio da Etnologia da época, mas tornou-se um dos fundamentos da Antropologia, cujo desenvolvimento, através de várias teorias sobre as relações do Homem com a Natureza e a Cultura, permite-nos perceber as diferenças como características e valores fundamentais para a permanência e dinâmica da Humanidade.

É através dela que se permitiu reconhecer que os estados tradicionais africanos não foram apenas instrumentos de governo eficazes e agentes da história, mas estimularam a produção de grandes patrimônios materiais.É o caso das artes de Ifé e Benin, bem como das artes luba e kuba.

Confira uma terracota de ifé cuja réplica já foi exposta no Brasil clicando aqui). Da arte de Benin e arte luba confira as FIG 1 e 2, a sobre a arte kuba veja uma de suas estátuas mais célebres clicando aqui).

FIGURA 1:Figura de rei, arte de Benin, Nigéria, acervo MAE-USP

FIGURA 2: Estatueta do tipo chamada "de ancestral", arte luba-hemba, Republica Democrática do Congo, acervo MAE-USP

Há muitas outras modalidades da arte africana que dominam, junto com essas, a gênese de uma história da arte africana, mesmo que sempre apartada da história universal da arte. Por isso, não deixe de conferir a linha do tempo da história da arte no continente africano proposta pelo Museu Metropolitano de Nova Iorque clicando aqui.

O fato de não terem escrito sua história anteriormente, não quer dizer que os africanos, bem como os povos autóctones das Américas e da Oceania, não tinham história, muito menos que não tinham escrita. Objetos de arte considerados apenas decorativos estão plenos de mensagens codificadas por signos e símbolos que podem ser "traduzidos", ou interpretados verbalmente, como é o caso de muitos objetos proverbiais (FIG 3).

FIGURA 3: Pesos de latão para medição de pó de ouro, arte ashanti, acervo MAE

Confira também o artigo de Lucia Harumi Borba Chirinos neste site. (LINK4A) Além disso, na tradição oral, ou no registro oral da história dos povos africanos, podemos constatar que o tempo é marcado pelo evento, e que esse evento não se situa num vazio: ele supõe um lugar exato, um instante único (p. ex., a queda de um cometa célebre, uma enchente inusitada, marcando feitos de um governo determinado, de um chefe conhecido e nominado). Do mesmo modo, podemos pensar na revalidação da informação histórica em objetos que expressam, através de mesclas de estilo ou da própria iconografia, deslocamentos das comunidades africanas, formando grandes correntes migratórias pelo continente, seja de caráter cultural, comercial ou outro.

Esses contatos, determinando combinações de elementos originais de um povo com outro(s), promoveram um dinamismo externo e explicam a unidade cultural da África. Por outro lado, a história desses povos pelo continente é uma história de conquistas, de legitimação do território a ser habitado e cultivado, explicando a diversidade cultural existente.

A mudança social provocada pelo fato colonial faz parte dessa história, mesmo que a intenção da colonização era acabar com ela. O período colonial africano é recente, durando de 1883-1885 até pouco mais da metade do século XX. Nesse período, os governos europeus dividiram e reagruparam as sociedades tradicionais da África em colônias, cujas fronteiras não correspondiam aos seus territórios originais.

Nas décadas de 1950 e 1960, depois das independências conquistadas individualmente, mas num grande movimento de solidariedade entre nações, as linhas de divisa colonial foram de modo geral absorvidas na configuração dos países atuais, a partir de então com seus próprios governos. Mesmo assim, até hoje são países que lutam com dificuldade, tentando recuperar suas origens ancestrais, e prosseguir suas vidas dentro do quadro da globalização imposto mundialmente. As lutas civis, e a presença de ditadores compactuados com potências estrangeiras na África atual refletem ainda os problemas que a exploração européia e a ideologia do desenvolvimento causaram aos povos africanos, esgotando seus minérios e suas florestas, degradando seu meio ambiente, alterando seu ecossistema, estabelecendo uma ordem completamente diferente sobre uma experiência secular de vida.

É evidente que a exploração da África não se deu apenas na sua colonização, esta já tão truculenta em si mesma, lembrando que durante esse período os africanos não foram apenas usurpados em suas economias e territórios, mas em seus modos de existência e de pensamento, principalmente através de ações missionárias. Sabemos como a Igreja manipulou o Cristianismo sob pretexto de uma ação civilizatória compactuada com países europeus.

Aqui estamos falando apenas daqueles que permaneceram no continente e não dos que foram sequestrados para a industria da escravidão que durou pelo menos quatro séculos. Podemos dizer que se o futuro de alguns africanos (os que foram feitos escravos) continuou aqui no Brasil (e nas Américas), e o passado de povos africanos na África ficou na memória coletiva e no silêncio da cultura material, temos muito a repensar sobre a nossa história em comum, encontrando, oxalá, nossos valores para o futuro.

Por isso, não podemos admitir nada de primitivo na história e na cultura material dos povos africanos, vez que se trata de sociedades que têm atrás de si mesmas existência milenar. Temos testemunhos plásticos e iconográficos do séculos V, VI e até VII a.C. nos países do Mediterrâneo antigo, que demonstram não apenas a presença da civilização egípcia, como também das civilizações da África sub-saariana, esta chamada de África negra. Vê-se aqui a antiguidade das culturas africanas, bem como sua dinâmica, alimentada não apenas por fluxos internos, mas também externos, desde longa data. Ao lado de tudo isso, lembrar que descobertas arqueológicas vêm demonstrando a precedência da espécie humana e de suas indústrias no continente africano, antes dos seus vestígios em território europeu, como o caso do exemplar mais antigo do homo sapiens sapiens (nossa espécie) descoberto no Quênia, datado de 130 mil anos atrás.

É importante, portanto, ter sempre em vista que o continente africano é imenso, com centenas de grupos étnicos ou sociedades, que não devemos chamar de tribos, pois o sistema de parentesco, além de não ser a única forma de organização, manifesta-se em grande diversidade e complexidade na composição dos grupos culturais. Hoje as sociedades africanas são sociedades modernizadas, o que não quer dizer que antes elas não tinham organização. Com uma hierarquia de obrigações e direitos, e com uma tecnologia própria ditada pela sua economia, seja ela de subsistência ou de comércio, algumas sociedades tradicionais voltavam-se mais para a agricultura, outras para a caça e pesca, e não raro, essas atividades eram mescladas. Não há conhecimento de grupos africanos sem um tipo de organização, seja em pequenas chefias a grandes repúblicas e reinos, até que as grandes potências ocidentais invadiram e colonizaram o território africano.

Em contrapartida, devemos também estar alertos para não nos valermos do que, entre nós, é tido como premissa de civilização, achando que com isso chegamos à compreensão de outros povos. Ao lado de técnicas de metalurgia ou cultivo, ao lado de chefias ou de um comércio ativo, cada sociedade, cada cultura tem um sistema de categorias próprias de pensamento e existência, sendo ele o que a diferencia das outras, e o que lhe dá real relevância perante a Humanidade. A cultura material e a arte, pelo seu caráter concreto (de "coisas", objetos), podem ser veículos eficientes para que tais categorias não fiquem tão vulneráveis à ação destruidora de nosso etnocentrismo, desde que sejam enfocadas como produtos de sociedades diferentes e não desiguais.

2ª. Parte - África: cultura material e arte africana

As artes plásticas da África que vemos nos livros e coleções são produtos desenvolvidos ao longo de séculos. Sejam esculpidos, fundidos, modelados, pintados, trançados ou tecidos, os objetos da África nos mostram a diversidade de técnicas artísticas que eram usadas nesse continente imenso, e nos dão a dimensão da quantidade de estilos criados pelos povos africanos.

Tais estilos são a marca da origem dos objetos, isto é, cada estilo ou grupo de estilos corresponde a um produtor (sociedade, ateliê, artista) e localidade (região, reino, aldeia). Mesmo assim, devemos lembrar que os grupos sociais não podem ser considerados no seu isolamento, e, portanto, é natural que a estética de cada sociedade africana compreenda elementos de contato. Além disso, cada objeto é apenas uma parte da manifestação estética a que pertence, constituída por um conjunto de atitudes (gestos, palavras), danças e músicas. Isso pode determinar as diferenças entre a arte de um grupo e de outro, tendo-se em vista também o lugar e a época ou período em que o objeto estético-artístico era visto ou usado, de acordo com a sua função.

Portanto, a primeira coisa a reter é que, na África, cada estátua, cada máscara, tinha uma função estabelecida, e não eram expostas em vitrines, nem em conjunto, nem separadamente, como vemos dos museus. Outra coisa deve ser lembrada: a arte africana é um termo criado por estrangeiros na interpretação da cultura material estética dos povos africanos tradicionais, diferente das artes plásticas da África contemporânea que se integram, como as nossas, brasileiras e atuais, no circuito internacional das exposições.

Se hoje ainda há uma produção similar aos objetos tradicionais, ela deve-se no maior das vezes às demandas de um mercado turístico, motivado pela curiosidade e exotismo.

Com referência aos objetos muito semelhantes aos tradicionais ainda em uso em rituais religiosos ou festas populares há, assim como no Brasil, na África atual, uma cultura material, que, apesar de sua qualidade estética, é considerada, também pelos africanos de hoje, "religiosa" ou "popular" nos moldes ocidentais, onde o antigo e moderno são historicamente discerníveis. Isso não quer dizer, no entanto, que, através de conteúdos e símbolos, a arte africana atual não esteja impregnada do tradicional, ainda que se manifestando em novas formas. Ao contrário, as especificidades da estética tradicional africana é visível também, nos dias atuais, nas produções artísticas dos países de fora da África, principalmente daqueles, como o Brasil, cuja população e cultura foram formadas por grandes contingentes africanos.

Mas aqui, neste texto, estaremos tratando sempre dessas produções realizadas pelos africanos antes da ruptura entre tradição e modernidade. Daqui para frente, devemos relativizar o uso do tempo verbal, e lembrar que a expressão arte africana é, queiramos ou não, um reducionismo inventado por estrangeiros, mas que está cristalizada entre nós, relativa a toda produção material estética da África produzida antes e durante a colonização, até meados do século XX, trazida à Europa por viajantes, missionários e administradores coloniais.

Não seria difícil encontrarmos nessa arte africana alguns elementos de aproximação com os de correntes da arte ocidental, do naturalismo ao abstracionismo. Mas esse tipo de comparação não é capaz de nos desvendar o verdadeiro sentido da arte africana tradicional, porque esta não foi feita para ser realista ou cubista, isto é, ela não era um exercício de reflexão sobre a forma, ou sobre a matéria, como nas artes plásticas entre nós. Apesar disso, podemos identificar na arte africana os elementos que permitiram a artistas, como Picasso, a revolucionar a arte ocidental.

O cubismo, portanto, é uma invenção intelectual dos europeus, que nada tem a ver com a intenção dos africanos: enquanto no cubismo a representação do objeto se dá de diversos pontos de vista, em diversas de suas dimensões formais ao mesmo tempo, a estética africana busca, ao contrário, uma síntese do objeto ou do tema construído materialmente, plena de objetivo, inspiração e conteúdo.

Uma estátua não representa, normalmente, um Homem, mas um Ser Humano integral, que tem uma parte física e espiritual - do passado e do futuro. Tem, por isso, um lado sagrado, ligado às forças da Natureza e do Universo. Uma máscara ou uma estátua concentram forças inerentes do próprio material de que são constituídas, ou que comportam em seu interior ou superfície, além de sua própria força estética. Elas não têm, portanto, uma função meramente formal.

Ainda assim, podemos observar que algumas produções são mais realistas ou mais geométricas. O realismo ocorre com frequência nas estátuas, talvez por seu caráter representativo (de uma figura humana, da imagem onírica de um antepassado), enquanto que o geometrismo aparece muito nas máscaras, principalmente naquelas que representam espíritos e seres sobrenaturais, melhor dizendo, o desconhecido (mas existente no plano consciente e inconsciente). Mesmo assim, nada disso permite dizer ou não é isso que determina haver uma linha divisória clara entre uma forma e outra, ou um estilo e outro.

Mas podemos distinguir uma arte produzida na África ocidental e a produzida na África central. E dentro dessas grandes áreas geográficas, podemos distinguir estilos seja pelos detalhes, seja pelo tema ou tipo do objeto produzido. Por exemplo, as produções artísticas dos Dogon e Bambara são muito distintas embora situadas, por alguns autores, dentro de uma mesma faixa estilística (chamada de "sudanesa"), já que elas apresentam uma certa continuidade formal ou temática, além do fato de que tais sociedades ocupam territórios contíguos permeados por identidades históricas, geográficas e ambientais. No entanto, as portas de celeiro são renomadas entre os Dogon (FIG 4 ), e o tema do antílope é mais reconhecido, embora não exclusivo, na arte Bambara (FIG 5).

FIGURA 4: Porta de celeiro, arte dogon, Mali, acervo MAE-USP

FIGURA 5: Topo de máscara "tyi-wara", arte bambara, Mali, acervo MAE- USP

Esse tipo de objeto (porta de celeiro) e esse tema (antílope) celebram a arte dos Dogon e dos Bambara respectivamente não apenas porque foram encontrados em abundância entre eles, mas também porque são considerados por esses povos como signos específicos de sua cultura em circunstâncias dadas na sua tradição oral.

É oportuno lembrar que a distinção entre os estilos só pode ser determinada por uma série de estudos interdisciplinares que apoiam a análise morfo-estilística. Entre essas disciplinas estão a arqueologia e etno-história, que, apesar de suas especificidades, estão intimamente ligadas à etnografia e à Antropologia.

Os procedimentos técnicos e a matéria-prima usados na produção material podem "falar" muito sobre o estilo, assim como sobre o meio ambiente em que determinadas sociedades vivem. A madeira era muito usad-a nas regiões de floresta. É por isso que a estatuária africana está concentrada na chamada África ocidental e na África central, regiões onde predominava a floresta equatorial e tropical, e onde se conservam apenas partes dela hoje em dia.

O uso do metal, embora tenha sido corrente em todo o continente, caracterizou as produções artísticas da savana, onde floresceram grandes reinos, tanto na África ocidental quanto na central, onde a arte era fundamentalmente ligada à organização social e política, a serviço de mandatários, através de ateliês oficiais - caso da chamada "arte de côrte" de Ifé e Benin (já ilustrada acima) ou da escultura da associação Ogboni fieta pelo sofisticado processo de fundição pela cera perdida (FIG 6).

FIGURA 6: Ilustração das etapas da fundição de um par de "edan" pela técnica da cera perdida, arte ogboni/ioruba, Nigéria, acervo MAE-USP.

Junto a essas produções de metal devemos mencionar a escultura em marfim, renomada não apenas entre povos do Golfo da Guiné e do Benin (como os ioruba) mas também entre os da embocadura do Rio Congo (como os Bakongo), que desde o século XV era requerida pelos "gabinetes de curiosidade" da Europa (veja clicando aqui). Bruto ou trabalhado, o marfim, assim como o cobre, era considerado precioso em todas as sociedades africanas, desde muito antes do tráfico (desde a antiguidade, pelo Vale do Nilo e pelo Saara), mas é certo que o contato com o mundo ocidental, desde o Renascimento europeu, promoveu um desenvolvimento de uma arte africana em marfim já voltada para o comércio e turismo como a da atualidade.

Outras artes, como a cerâmica, cestaria, adornos corporais, eram feitas tradicionalmente por todas as sociedades, respondendo às necessidades cotidianas e rituais, sendo que podemos destacar algumas em que essas técnicas eram mais usadas do que a escultura, de acordo com o modelo de organização social e as formas de expressão estética. Nesses casos, os recursos gráficos eram mais aplicados do que os recursos representativos da escultura. Aqui podem ser compreendidos, particularmente, os produtos de sociedades situadas em regiões semi-áridas, que, em busca periódica de novos territórios, não podiam transportar com facilidade bens móveis de grande porte. Mas às vezes esses modelos de análise se mostram arbitrários, pois a arte decorativa pode imperar também onde as figurativas e realistas são muito destacadas, e onde a produção estética está voltada à legitimação de um poder monárquico e centralizado como dos Bakuba (FIG 7), e que também comporta uma importante estatuária conforme ilustrado acima.

FIGURA 7: Montagem de objetos utilitários com decoração típica, arte kuba, Republica Democrática do Congo, acervo MAE-USP.

Assim, o material nem sempre era usado por sua abundância ecológica e a escolha do material não era arbitrária: como o objeto que iria ser produzido, o material tinha um valor simbólico em cada centro de produção. Algumas máscaras e estátuas deveriam ser esculpidas em madeira de árvores determinadas; a confecção de adornos implicava no uso de determinadas fibras e sementes, e, em alguns casos, de tipos diferentes de contas, se não de um tipo de liga metálica, de marfim e outros materiais de origem inorgânica e animal.

Certos detalhes morfológicos dos objetos, como a posição, o tamanho, a distribuição de cores, entre outros, são características diferenciais do estilo com que cada sociedade representa uma forma e um tema. Mas existe uma série de características culturais comuns entre os povos da África e diversas das de sociedades de outros continentes que permeiam suas artes tradicionais de uma forma singular: seus sistemas de pensamento e de crenças.

3ª. Parte - África: cultura material, filosofia e religião

Antes de mais nada, devemos lembrar que a dissociação entre Religião e outras esferas da Cultura existente no Ocidente, e na Modernidade, não faz parte da natureza da Humanidade. E, como vimos, as sociedades da África pertencem a complexos culturais muito antigos, reciclando valores arraigados pela Tradição, caracterizando-se por uma maneira de produzir bens espirituais e materiais de acordo com sua história e com o meio ambiente onde se formaram.

Para compreendermos os sistemas de pensamento e de crenças das sociedades africanas, devemos ter sempre em mente a dinâmica tradição-modernidade, e, como fizemos com respeito à arte, relativizar o que pertenceu ao passado e o que, e sob que forma, permanece no presente.

Cada cultura africana tinha, antes da ruptura social, sua forma de conceber o mundo, de explicar suas origens e de formular o que lhes convêm, conforme mostram os mitos e lendas, bem como o discurso das pessoas mais antigas, que viveram antes ou durante a situação colonial. Isso demonstra a grande diversidade cultural no continente, correspondente à diversidade de formas e estilos na arte tradicional.

Apesar disso, no plano filosófico, podemos assinalar um aspecto que dá unidade aos povos da África tradicional: o indivíduo é considerado vivo porque tem um ascendente (é filho, neto de alguém), e quem vai lhe garantir a finalidade e memória de sua vida e existência é a perspectiva de seu descendente (seu futuro filho e neto). Portanto a noção de morte está concretamente ligada à de vida : morrer significa não procriar. Sem filhos, a linhagem familiar se extingue - vida e morte não são apenas biológicas, mas sociais principalmente. A existência do indivíduo se traduz através do seu ser-estar (o que implica em tempo e espaço ou lugar) no mundo, através do cotidiano, no trabalho ou no lazer, sempre conectado ao universo social, cósmico, natural e sobrenatural ao mesmo tempo, sendo impossível separar o que é concreto e espiritual, ou determinar o que é sagrado ou profano, na vida desses povos.

Nesse contexto, o exercício da existência volta-se para questões que vão além do poder econômico, o que não exclui a preocupação social e individual com o status (disputado e atribuído a indivíduos de prestígio como sábios e dirigentes), já que ele é uma das chaves para que o grupo tenha uma estrutura para permanecer unido e forte visando ao advento de futuras gerações.

Daí, a profusão de imagens antropomórficas esculpidas a que se chama de "ancestrais", já que normalmente, mas nem sempre como se divulga através de publicações, eram relacionadas, e usadas, no culto de antepassados. Os chamados "fetiches", aí colocados em oposição aos "ancestrais", são objetos, esculpidos ou não, constituídos de vários materiais agregados. O conceito de fetiche é discutível, pois, significando "coisa feita", é relacionado sempre à magia e a feitiçaria num sentido distorcido.

FIGURA 8: Estatueta "buti", do tipo chamada de "fetiche", arte teke, Republica Democrática do Congo, acervo MAE-USP.

Na verdade, os materiais dos "fetiches" entre os quais são também classificadas estatuetas dos Bateke (FIG 8, acima) - simbolizam partes dos mundos animal, vegetal e mineral, aludindo uma idéia de totalidade construída pelos africanos, baseada em seu conhecimento sobre as forças da Natureza (muitas vezes relacionados à cura medicinal) e do Cosmo. Isso explica porque muitas das estatuetas chamadas de "fetiches", em contrapartida, tinham relações diretas com o culto de antepassados, fundado na idéia de acúmulo de forças através de gerações sucessivas e da apropriação do território.

Outras duas características nos sistemas filosófico e de crenças das sociedades africanas tradicionais é a consciência de periodicidade e infinitude, isto é, a idéia de que o descendente vem do ascendente e a idéia, que vem em decorrência disso, de que o passado está intimamente ligado ao futuro, passando pelo presente.

Um indivíduo vivendo em sociedade em um determinado período histórico supõe a existência de outro ou outros indivíduos (filho, neto, bisneto, etc) em períodos subsequentes, graças à existência daqueles que vieram antes dele, e criaram regras para que seus contemporâneos e conterrâneos pudessem seguir vivendo, articulando-se conforme as condições de sobrevivência. Há um provérbio de origem africana em que podemos constatar essa característica de infinitude, de que a vida é infinita: "uma vez que é dia, depois noite, qual será o fim deles?".

Esse tipo de pensamento comporta uma perspectiva dinâmica que não corresponde à idéia de que esses povos não teriam história antes dos europeus chegarem, e que eles viviam sempre do mesmo modo que seus avós e bisavós. Outro provérbio africano nos permite constatar essa característica de periodicidade, de que a vida é periódica - e histórica: "as coisas de amanhã estão na conversação das pessoas de amanhã".

Vemos aqui uma preocupação em regrar o que acontece no presente, o que é uma responsabilidade dos que vivem para garantir a existência do futuro, e que não há nada de estático nisso, ao contrário, há uma previsão de mudança, uma consciência de que há um dinamismo na vida, na existência, não apenas por modificações ambientais naturais, mas também modificações técnicas e filosóficas determinadas pela sucessão de gerações.

Desse modo, os africanos preservavam regras de sua Cultura, modificando-as quando necessário, sem precisar de outras normas vindas de fora, coisa que os Europeus não podiam entender, pois eles se consideravam superiores a todos os povos não-europeus.

Esse sentimento de superioridade vem da constatação da diferença. Na visão judaico-cristã, por exemplo, os africanos foram tidos como povos animistas, isto é, aqueles que atribuem vida às coisas e seres inanimados, e acreditando que plantas e animais são dotados de "alma", sendo portanto capazes de agir como seres humanos. Isso não é verdade e deturpa as formas autênticas de concepção do mundo dos africanos, colocando-os como inferiores, ou "primitivos".

O que ocorre, na verdade, é que na África tradicional a concepção de mundo é uma concepção de relação de forças naturais, sobrenaturais, humanas e cósmicas. Tudo que está presente para o Homem tem uma força relativa à força humana, que é o princípio da "força vital", ou do axé - expressão ioruba usada no Brasil. As árvores, as pedras, as montanhas, os astros e planetas, exercem influência sobre a Terra e a vida dos humanos, e vice-versa. Enquanto os europeus queriam dominar as coisas indiscriminadamente, os africanos davam importância a elas, pois tinham consciência de que elas faziam parte de um ecossistema necessário à sua própria sobrevivência. As preces e orações feitas a uma árvore, antes dela ser derrubada, era uma atitude simbólica de respeito à existência daquela árvore, e não a manifestação de uma crença de que ela tinha um espírito como dos humanos. Ainda que se diga de um "espírito da árvore", trata-se de uma força da Natureza, própria dos vegetais, e mais especificamente das árvores. Assim, os humanos e os animais, os vegetais e os minerais enquadravam-se dentro de uma hierarquia de forças, necessária à Vida, passíveis de serem manipuladas apenas pelo Homem. Isso, aliás, contrasta com a idéia de que os povos africanos mantinham-se sujeitos às forças naturais, e, portanto, sem cultura. Os povos da África tradicional admitem a existência de forças desconhecidas, que os europeus chamaram de mágicas, num sentido pejorativo. Mas a "mágica", entre os africanos, era, na verdade, uma forma inteligente - de conhecimento - de se lidar com as forças da Natureza e do Cosmo, integrando parte de suas ciências e sobretudo sua Medicina.

Esses elementos filosóficos podem ser vistos expressados graficamente nas decorações de superfície de esculturas, na tecelagem e no trançado, e na própria arquitetura, através de figuras geométricas (zigue-zagues, linhas onduladas, espirais - contínuas e infinitas), de figuras zoomorfas (cobras, lagartos, tartarugas - que, além de sua forma, estão associadas à idéia de vitalidade e longevidade).

Trata-se de uma linguagem gráfica simbólica, equivalente a da figura antropomórfica em estátuas e estatuetas, onde se ressaltam cabeça, mãos e pés, seios, ventre, orgãos sexuais (todos considerados, de um modo geral, centros de força vitais). Elas expressam, do mesmo modo que os grafismos, aspectos relacionados ao tema da reprodução humana e à capacidade de produção do conhecimento necessário à perpetuação da espécie humana, mesmo que individualmente, venham a desempenhar funções e a expressar significados específicas(FIG 9).

FIGURA 9: Estatueta "akua-ba", arte ashanti, Gana, acervo MAE-USP

Temas como a fertilidade da mulher e fecundidade dos campos são freqüentes e quase que indissociáveis na expressão artística, estabelecendo a relação entre a abundância de alimento e a multiplicação da prole, um fator concreto em sociedades agrárias. O tema do duplo remete à relação de fatores complementares ou antagônicos (dia-noite, homem-mulher). Todas essas formas gráficas e representativas são um recurso para apresentar, sob forma material, um conjunto de idéias sobre a existência concebida visando ao equilíbrio e à perpetuação biológica e espiritual do grupo social.

Dizem que os africanos não tinham Deus, ou que tinham vários deuses, o que não parece ser muito preciso. Em quase todas as populações da África foram registrados depoimentos da criação do mundo, em que existe apenas um único "Deus". Trata-se de uma força primordial, um Criador que criou o Mundo e os Homens, colocou-os na Terra, e deixou-os ao seu Destino (FIG 10).

FIGURA 10: Topo de máscara, arte senufo, Costa do Marfim, acervo MAE-USP.

Essas histórias de origem podem ser chamadas de mitos porque se trata de seres não conhecidos em vida (que estão na memória coletiva), sendo por isso míticos, sem que se caia no erro de desconsiderá-los, como fizeram os ocidentais, como idéias sem valor científico e histórico. Tais mitos de origem comportam freqüentemente o relato de pares primordiais, de gêmeos ou duplas, que vieram para cultivar e povoar o mundo, e, muitas vezes, seres zoo-antropomorfos que, dotados da tecnologia (instrumentos agrários ou de caça), vieram para ensinar os Homens a produzir e obter alimento, para se multiplicarem, zelando, eles - os Homens -, pela sua própria permanência em vida.

Uma das diferenças dessas idéias com relação às idéias de mundo cristãs é a consciência de que cada ser que está presente no mundo tem seu papel, e que a força dos Homens é humana, e não divina. Daí a necessidade de uma relação constante com os antepassados, visando às futuras gerações. Esse pode ser apontado como um significado substantivo das várias formas de culto de ancestrais.

É por isso que a vida dos povos africanos é tida como muito mais ritualizada que no mundo cristão. O mundo material e o espiritual são concebidos juntos, quase que inseparáveis, o que implica em modelos de culto e religião completamente diferentes do que se adotou no Ocidente, que por sua vez serviu de modelo para outros povos formados na modernidade, como é o caso brasileiro.

Os Candomblés (são várias as formas como essa religião brasileira de origem africana se apresenta) conservam formas de culto muito próximas às de cultos tradicionais da África ocidental (sobretudo dos Fon e dos Ioruba), adotando emblemas, nomes e outras características de suas divindades (e, às vezes, das divindades dos povos de línguas bantu, ou dos chamados Bantos, da África central), bem como a hierarquia de poder iniciático (FIG 11 a 13).

FIGURA 11: Colar de babalaô, arte nagô, República Popular do Benim, acervo MAE-USP

FIGURA 12: Estátua de Iemanjá, arte afro-brasileira, Salvador/Brasil, acervo MAE-USP

FIGURA 13: Opaxorô, arte afro-brasileira, Salvador/Brasil, acervo MAE-USP.

Mas, numa aproximação ainda que a grosso modo, eles teriam uma estrutura de panteão, como a das religiões grega e cristã. Isso quer dizer que existe um Criador e uma porção de outras divindades articuladas em camadas subalternas. Os cultos tradicionais da África, por sua vez, voltavam-se, em linhas gerais, aos antepassados ou a divindades da Natureza. Neste último caso, poderia ser enquadrado o Culto de Orixás - apelação dada às divindades de origem ioruba ou nagô (os voduns, inquices e caboclos são divindades de povos africanos de outras origens) -, em que se baseiam a maioria dos candomblés, muito embora muitas dessas divindades celebram chefes políticos sacralizados, com uma qualidade divina, de uma localidade (ou reino) determinado, onde são considerados como antepassados.

Para concluir, grande parte da escultura antropomórfica seja da África ocidental, seja da central, é uma "presentificação" desses personagens míticos ou mesmo conhecidos em vida - antepassados fundadores de territórios, chefes de linhagem ou chefes eleitos renomados por feitos realizados durante seus governos. Em peças desse tipo transparece a grande relação entre política e religião, motivo pelo qual estátuas, bustos e cabeças, tendo uma força acumulada de vários níveis, não podiam ser vistas por todas as pessoas, se não os altos iniciados nos cultos, ou seja, aqueles que tinham status social e religioso, sendo que em muitas sociedades, o chefe político era também o sacerdote supremo.

E, neste final, resta a contradição: grande parte da arte africana, que tanto nos mobiliza o olhar pelo impacto estético, era feita, antes de ser tirada de seu contexto, para não ser vista, a menos que houvesse uma ocasião precisa para isso. Está aí está a demonstração da grandeza e do poder de uma cultura material, depositária não de segredos, mas de fundamentos, a serviço da história e cultura dos povos africanos, que dentro e fora de seu território original, continuam sua existência, formando novos valores, como acontece entre nós, no Brasil.

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