Não é magia é tecnologia – cientistas e inovadores negros
A maioria dos brasileiros nunca ouviram falar da existência de inventores negros e negras. A referência de genialidade está intrinsecamente associada ao homem branco em nossa sociedade, pois foi assim que aprendemos na escola, na TV, cinema e nas relações sociais. Sabem também que os japoneses, chineses e coreanos são inteligentes, um preconceito positivo, mas desconhecem um negro ou indígena com esta habilidade e competência. Será que não existe nenhuma invenção feita por estes grupos? Negro é apenas arte, cultura, esporte e fé?
Outro absurdo que nos deparamos é o conceito de raça. Se você perguntar para as pessoas quais raças existem entre os seres humanos, muitos vão dizer: negro, branco, amarelo e indígena. A genética moderna afirma que não existem raças entre os seres humanos e que somos 99,9% semelhantes e que a cor da pele, tipo de cabelo, formato dos lábios e nariz, cor dos olhos e formato do corpo é resultado da adaptação dos seres humanos nos mais diferentes tipos de clima e latitude por onde o Homo sapiens migrou.
Os primeiros seres humanos eram negras e negros e evoluíram na África tinham cabelo crespo e nariz largo, há aproximadamente 200 mil anos atrás. A ideia de raça e racismo é uma construção ideológica dos brancos europeus para a dominação e hierarquização das pessoas com o objetivo de criar uma hegemonia global.
Portanto é falsa a ideia que uma “raça” é superior à outra já que não existem raças entre nós Homo sapiens. Sabendo que não existe raça entre nós não faz sentido haver racismo, mas a construção da raça beneficiou economicamente e simbolicamente os brancos tidos como belos, inteligentes e líderes e prejudicou profundamente os negros e indígenas nos legando um ciclo vicioso de racismo, pobreza e violência. É fundamental que estes privilégios sejam questionados para se promover igualdade de oportunidades e se desmonte o efeito do racismo nas mentes.
No campo da ciência, tecnologia e inovação são visibilizados apenas as contribuições dos eurodescendentes e no máximo dos asiáticos. O desenvolvimento da civilização humana como a conhecemos hoje não pode ser atribuída exclusivamente a uma única “raça” ou região do mundo. Revolução em ciência e tecnologia são o resultado cumulativo das ideias de todas as grandes mentes humanas de todas as partes do planeta Terra durante os últimos dez milênios da história da civilização humana.
Antigos egípcios, que estudiosos afirmam terem se originado no coração da África, nas imediações do Monte Ruwenzori (Montanha da Lua em português) em Uganda na África Oriental, são creditados por várias invenções que lançaram bases para o desenvolvimento da ciência e tecnologia de hoje. A primeira técnica de agricultura, o arado tracionado por bois, que revolucionou a produção agrícola, foi inventada pelos antigos egípcios em 2700 a.C. Foram os antigos egípcios, que o introduziram a técnica de mineração de metais preciosos: ouro, estanho, ferro, cobre, etc. Os africanos antigos (egípcios) também foram os primeiros a desenvolver a escrita e o papel. Eles inventaram o papel da planta denominada papiro abundante ao redor do Rio Nilo. Os avanços vistos na educação ocidental e a ciência não teria sido possíveis sem os papéis da África. Além disso, os antigos hieróglifos egípcios foram um dos dois primeiros sistemas escrita inventados pelos seres humanos, sendo primeiro o dos sumérios.
Foram os antigos egípcios que inventaram a primeira tranca de madeira. Eles inventaram estes bloqueios para impedir assaltos que atormentaram seu antigo reino próspero. As fechaduras eram feitos de uma trave de madeira quase totalmente fechada exceto para o espaço para a chave e os pinos.
Além disso, primeiro grande edifício de pedra do mundo que lançou bases para a indústria da construção civil de hoje foi a pirâmide de degraus em Saqqara, perto de Mênfis no Antigo Egito. A pirâmide foi desenhada por um africano, Imhotep, arquiteto, sacerdote e pai da medicina científica, que era conselheiro do rei Djoser (da terceira dinastia do Egito por volta de 2630 a.C.) e que virou deus do panteão egípcio por seus feitos.
Foi um antigo rei egípcio, Akenaton, quem primeiro introduziu o conceito de monoteísmo, crença em um Deus, muito antes do judaísmo. Embora o deus único de Akenaton referia-se ao sol, foi uma grande inovação no sistema de crenças baseado apenas no politeísmo.
2. Inventores negros e a revolução científica e tecnológica
É importante afirmar para descolonizar as mentalidades que setores da população africana ao longo da sua história criaram e tiveram acesso à escola, escrita e universidades como Per Ankh no Egito Antigo (c. 2000 a.C.), as madrassas de Al-Azhar (970 d.C.) no Egito, Sankore (século 15 em diante) em Timbuctu, no Mali e Al Karouine (859 d.C.) em Fez, no Marrocos, foram instituições que existiam antes de haver similares na Europa e que foram omitidas pelo ensino etnocêntrico e eurocêntrico, influenciou os currículos mundiais com intenções ideológicas de afirmar que os negros eram selvagens, não dotados de inteligência, servindo apenas para serem explorados pelos brancos. A construção da hegemonia branca transformou a vida de milhões de africanos e seus descendentes na América e configurou, efetivamente, a estrutura de poder mundial que temos até os tempos atuais.
Em seu livro notável Black Inventors – Crafting Over 200 years of Success (Inventores Negros – Elaborando Mais de 200 anos de Sucesso), de Keith Clayton Holmes (2008) desvendou a origem das invenções e as contribuições dos inventores negros para o avanço global em ciência e tecnologia. Ele passou mais de vinte anos pesquisando informações sobre invenções por negros dos cinco continentes e mais de 70 países, incluindo quase todos os 50 estados nos Estados Unidos, Austrália, Barbados, Canadá, França, Alemanha, Gana, Haiti, Jamaica, Quênia, Nigéria, África do Sul, Trinidad e Tobago, citando um grande número de inventores negros do período 1769-2007, tornando o livro um das mais completos sobre a genialidade negra.
No seu livro há uma série de invenções, patentes e dispositivos que facilitaram a vida concebidos por inventores negros. Africanos antes do período de sua escravização pelos brancos desenvolveram produtos e ferramentas agrícolas, armas, metalurgia, medicina, materiais de construção, filosofia, política, matemática, astronomia, religião, engenharia, química, têxteis, odontologia, literatura, direito, urbanismo, etc. Embora milhões de negros fossem trazidos para o continente americano em correntes e sob o jugo da escravidão é relativamente desconhecido que milhares de africanos e seus descendentes desenvolveram numerosos dispositivos tecnológicos e suas invenções criaram empresas gerando dinheiro e empregos em todo o mundo.
Holmes pesquisou e descobriu que inventores negros, causaram e tem causado grande impacto no mundo. Seu livro prova que sem os inventores, inovadores, cientistas e trabalhadores de ascendência africana, na África, bem como em toda a diáspora africana, a tecnologia ocidental, tal como a conhecemos hoje, não existiria.
O livro de Holmes ressalta que o processo de invenções não se origAfrican American Inventionsinaram na Europa como aprendemos na escola, e que de 1900 a 1999, inventores pretos patentearam mais de 6.000 invenções (pelo menos 400 patentes conquistadas por mulheres negras) e entre 2000 e 2007, cientistas negros patentearam mais de 5.000 invenções. Foi através de mentes africanas que se tornou possível a atual revolução mundial em ciência e tecnologia. Cito aqui algumas invenções, inventores negros e data de patenteamento:
• Processo de lavagem à seco: Thomas Jennings; 3 de março de 1821
• Unidade de ar condicionado para caminhões: Frederick M. Jones; 12 de julho de 1949
• Almanaque: Benjamin Banneker; aproximadamente 1791
• Interruptor de lâmpada: Granville T. Woods; 1 de janeiro de 1839
• Câmbio automático: Richard Spikes; 28 de fevereiro de 1932
• Carrinho de bebê: W.H. Richardson; 18 de junho de 1899
• Quadro de bicicleta: L.R. Johnson; 10 de Outubro de 1899
• Cortador de biscoitos: Ashbourne A.P.; 30 de novembro de 1875
• Banco de sangue e embalagem para plasma sanguíneo: Charles Drew; aproximadamente em 1940
• Telefone celular: Henry T. Sampson; 6 de julho de 1971
• Secadora de roupas: G. T. Sampson; 6 de junho de 1862
• Suporte de haste de cortina: William S. Grant; 4 de agosto de 1896
• Maçaneta: O. Dorsey; 10 de dezembro de 1878
• Batente de porta: O. Dorsey; 10 de dezembro de 1878
• Pá de lixo: Lloyd P. Ray; 3 de agosto de 1897
• Máquina para fabricação de sapatos: Já Ernst Matzeliger; 20 de março de 1883
• Batedeira de ovos: Willie Johnson; 5 de fevereiro de 1884
• Filamento de carbono da lâmpada elétrica: Lewis Latimer; 13 de setembro de 1881
• Elevador: Alexander Miles; 11 de outubro de 1887
• Óculos de segurança: P. Johnson; 2 de novembro de 1880
• Escada antiincêndio: J. W. Winters; 7 de maio de 1878
• Extintor de incêndio: T. Marshall; 26 de outubro de 1872
• Cama dobrável: L. C. Bailey; 18 de julho de 1899
• Cadeira dobrável: Brody & Surgwar; 11 de junho de 1889
• Caneta: William B. Purvis; 7 de janeiro de 1890
• Máscara de gás: Garrett Morgan; 13 de outubro de 1914
• Pino de golfe: George F. Grant; 12 de dezembro de 1899
• Guitarra: Robert F. Flemming, Jr. 3 de março de 1886
• Carimbo: William B. Purvis; 27 de fevereiro de 1883
• Pilão: invenção egípcia; autoria desconhecida
• Acoplador automático de vagão de trem (Jenny coupler); Andrew Jackson Beard; 23 de novembro de 1897
• Colher de sorvete: Alfred L. Cralle; 2 de fevereiro de 1897
• Fabricação de açúcar: Norbet Rillieux; 10 de dezembro de 1846
• Enxada: Inventada por africanos; invenção milenar
• Tábua de passar roupa: Sarah Boone; 30 de dezembro de 1887
• Bateia: Inventado por mineradores africanos; invenção milenar
• Lanterna: Michael C. Harvey; 19 de agosto de 1884
• Cortador de grama: John Burr; 19 de maio de 1889
• Regador de gramado: J. W. Smith; 4 de maio de 1897
• Espremedor de limão: J. Thomas White; 8 de dezembro de 1893
• Unidade de lubrificação para locomotivas: Ellijah McCoy; 15 de novembro de 1895
• Lancheira: James Robinson; 1887
• Caixa de correio dos EUA: Paul L. Downing; 27 de outubro de 1891
• Esfregão: Thomas W. Stewart; 11 de junho de 1893
• Motor: Frederick M. Jones; 27 De junho de 1939
• Diversos produtos inventados do amendoim, como a pasta de amendoim: George Washington Carver; 1896
• Apontador de lápis: John Lee Love; 23 de novembro de 1897
• Braço de toca-discos: Joseph Hunger Dickenson; 8 de janeiro de 1819
• Refrigerador: John Stanard; 14 de julho de 1891
• Sela de equitação: W. D. Davis; 6 de outubro de 1895
• Vela de ignição para motores: Edmond Berger; 2 de fevereiro de 1839
• Estetoscópio: Imhotep; Egito Antigo
• Fogão: T. A. Carrington; 25 de julho de 1876
• Pente para alisamento de cabelo: Madame C. J. Walker; Cerca de 1905
• Carro varredor de rua: Charles B. Brooks; 17 de março de 1890
• Transmissor de telefone: Granville T. Woods; 2 de dezembro de 1884
• Controle de termostato: Frederick M. Jones; 23 de fevereiro de 1960
• Semáforo: Garrett Morgan; 20 de novembro de 1923
• Triciclo: M. A. Cherry; 6 de maio de 1886
• Bonde elétrico: Elbert R. Robinson; 19 de setembro de 1893
• Torpedo (imersível): André Rebouças: entre 1865-1866
• Máquina de escrever: Burridge & Marshman; 7 de abril de 1885
• Quimioterapia: Jane Cooke Wright; década de 1950-1960
• Microfone eletroacústico: James Edward Maceo West; 1962
• Câmera ultravioleta de controle remoto/espectógrafo usada na missão do
Apollo 16 à lua em 1972; George R. Carruthers
• Videogame (Fairchild Channel F, 1º videogame doméstico): Gerald Lawson; 1976
• Óculos 3D: Kenneth J. Dunkley; 7 de março de 1989
• Fibra ótica. Thomas Mensah: Setembro de 1987
• Laserphaco Probe (máquina de fazer operações de catarata): Dra. Patricia E. Bath; 17 de maio de 1988
• Processador de 1 gigahertz: Mark Dean; 2000.
Estas 70 invenções são algumas dos milhares de inventos criados por descendentes de africanos na América, África, Europa, Oceania e Ásia que moldaram o avanço científico global de hoje. O que mais que o negro descendente de africanos precisa fornecer para o mundo para provar que sua inteligência é igual ao do branco?
3. Cor da pele e inteligência
Quanto à cor da pele que muitos consideram falsamente como fonte de inteligência e superioridade racial, não refletem a realidade biológica. Nossa cor da pele é resultado da presença de um pigmento chamado melanina.
A cor da pele varia devido à seleção natural para adaptação biológica e sobrevivência em diferentes zonas geográficas do nosso planeta. Pessoas de pele escura são comumente encontradas em latitudes tropicais, onde a radiação ultravioleta do sol (UVA e UVB) é normalmente mais intensa para produzir eumelanina como um escudo protetor biológico contra radiação ultravioleta, enquanto para aqueles que viviam nas zonas temperadas a natureza os selecionou para produzirem feomelanina. Ao fazer isso, ajuda a evitar queimaduras solares e danos que podem resultar em alterações do DNA e posteriormente, vários tipos de câncer de pele malignos em latitudes tropicais.
Aqueles que argumentam que a pele branca equivale a mais inteligência, não entenderam o conceito darwinista básico da evolução. E ao fazê-lo nega a própria noção de superioridade do conhecimento científico que eles alegam possuir em comparação com aqueles tem pele escura. Quanto ao último, foi demonstrado que a melanina não tem relação com as funções cerebrais de qualquer ser humano. Negras e negros contribuíram e tem contribuído para o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação no mundo e devem ser reconhecidos por suas realizações. Vamos rever nossos conceitos e descolonizar nossas mentes?
Referências bibliográficas
HOLMES, Keith C. Black Inventors – Crafting Over 200 years of Success. New York: Global Black Inventors Research Projects, 2008.
MACHADO. Carlos. Ciência, Tecnologia e Inovação Africana e Afrodescendente. Florianópolis: Bookess, 2014.
SILVA, Renato Araújo. Isto Não é Magia; é Tecnologia: subsídios para o estudo da cultura material e das transferências tecnológicas africanas ‘num’ novo mundo. São Paulo: Ferreavox, 2013.
Fonte: Instituto Portal Afro
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