terça-feira, 22 de outubro de 2013

CARTA À MÃE ÁFRICA


Carta à Mãe África
 
Ricardo Viana
 
Ah, mãe África! Como estás?

Já se vão quase meio milênio que de seu seio fui extirpado.

Ah, mãe, não tive tempo de te mandar notícias. Fora uma viagem longa, amontoados nos tumbeiros, inerte de doer os ossos, pensava o quanto era bom correr livre por tuas savanas.

Ah, mãe, durante essa viagem apocalíptica, mais da metade de teus filhos morreram, ora por suicídio, ora jogados ao mar quando se rebelavam ou mesmo de saudades de ti.

Mãe, pensamos em orar juntos, mas como uma torre babel, não nos entendíamos. No meu silêncio clamei aos Orixás, mas não me ouviram em meio aquela orquestra dantesca de gemidos.

Aqui, mãe, nesta terra iria aprender as coisas da fé, ganhei um nome, já não sou Zumbi, sou Zé da Silva, trocado por açúcar fui moeda viva cunhada à ferro e fogo com a efígie do meu dono e da fé católica.

Ah, mãe, nos tiraram a alma, quero dizer, quase perdemos nossa cultura. Submetidos a toda sorte de sofrimentos, muitos dos meus irmãos não viveram por mais de um ano.

Num Domingo ensolarado, mãe, uma princesa enviada pelo pai Orixá parecia pôr fim ao nosso suplício, mas não assinou nossa carteira de trabalho, deixando hoje parte de teus filhos do pai Brasil, que ajudamos a crescer, desamparados. Somos 70% em média de semi-analfabetos, favelados, presidiários entre outras humilhações.

Ah, mãe, termino esta pedindo para não esquecer de mandar notícias dos meus irmãos da Etiópia, Somália. Creio que dias melhores virão e viveremos numa verdadeira Democracia Sócio-Racial porque o grito de Zumbi ecoa dentro de nossa esperança... Graças a Jesus, nossa alma - Cultura - sobreviveu.

Axé a todos, mãe!

Conselho Estadual dos Direitos do Negro
Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos

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