ARTHUR BISPO ROSÁRIO (O ILUSTRE DESCONHECIDO)
Por Fernando Schubach
Ouvindo
vozes do inconsciente, Bispo inicia a construção de um universo e em
suas viagens, em suas lutas o seu cotidiano é retomado com tal
intensidade que transborda e dissipa a esfera pessoal. Da sua vida faz
uma imprevista experiência, produzindo com ela, a partir de seus
fragmentos, uma obra que inaugura discursos para realidades de que nos
faz co-participantes. Produto de sua produção torna-se artista.
Arthur
Bispo do Rosário criou um universo particular e ao mesmo tempo
universal. É íntimo por partir de motivações profundamente enraizadas
em seu inconsciente e alcança o outro na medida em que se concretiza na
desconstrução e reconstrução de elementos percebidos e incorporados à
vida cotidiana da sociedade de consumo, ao mesmo tempo em que se
origina em códigos incorporados à civilização judaico-cristã. Foi
diagnosticado como portador de esquizofrenia paranóide - caracterizada
pela ocorrência de visões, alucinações, sentimentos de perseguição e em
que é comum o doente escutar vozes. A partir desse período, começa a
produzir seu trabalho artístico, motivado por um pedido de Deus para
que reconstruísse o universo e registrasse a passagem divina pela
terra. Aí, começa a história de Bispo do Rosário como artista plástico.
Estima-se que elaborou cerca de 1.000 peças, que permaneceram como
propriedade da Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, hoje
desativada como instituição manicomial e transformada no Museu Arthur
Bispo do Rosário. Bispo faleceu em 1989.
O
Bispo do Rosário é considerado pela crítica um dos principais artistas
brasileiros do século XX, saudado nacional e internacionalmente, mas
apreciado por um público ainda restrito a intelectuais. Um dos motivos
mais significativos para o reconhecimento de sua importância é que o
Bispo foi um artista de vanguarda, de forma absolutamente intuitiva,
sem receber qualquer treinamento técnico, conviver com outros artistas,
ler livros especializados ou freqüentar espaços de arte. Começou a
produzir, de forma praticamente ininterrupta, a partir dos anos 40, e
nesse trabalho incluiu elementos pop, movimento estético que só
surgiria na Inglaterra por volta da década de 1960. Sua genialidade se
expressa na forma como trabalha os elementos, os novos suportes
utilizados, a configuração contemporânea de sua arte, a harmonia do
conjunto das peças. Arthur Bispo foi redescoberto a partir do trabalho
do crítico Frederico Morais na década de 80, que organizou uma
exposição e lançou uma possibilidade de compreensão e sistematização do
conjunto da obra. Todavia, Rosário é desconhecido pela maioria do
público brasileiro e, curiosamente, também em sua terra natal, Sergipe.
Rosário
recolheu e retrabalhou objetos, fragmentos e restos do mundo
industrial. Sua reconstrução era precedida do recolhimento de materiais
descartados, encostados, inservíveis, simplesmente encontrados no lixo
ou da obtenção de linha pelo desfiar de roupas, inclusive dos uniformes
dos internos da instituição psiquiátrica em que vivia, para utilizar em
bordados. Limpava o mundo, reciclava-o e reedificava-o. Reconstruir era
também organizar as coisas. Dessa idéia de ordenamento, decorre muito
da harmonia estética de sua produção.
Foge
dos suportes tradicionais, cria objetos tridimensionais, é precursor do
que se chama hoje de instalação. Fez isso sem freqüentar escola de
arte, ir a museus ou exposições, ler livros, aprender a pintar, a
desenhar, a esculpir.
O
resultado parece simples, decorativo, despretensioso, lúdico, mas é
sempre minuciosamente trabalhado e a concepção é sofisticada e
elaborada. Negando-se a tomar os remédios que lhe entregavam para o
tratamento, ele mergulhou no delírio como opção de criação. O
preconceito criado pela loucura desse artista pode tentar diminuir a
dimensão de sua arte.
Múltiplos Olhares
A obra de Arthur Bispo do Rosário pode ser apreciada sob diversos pontos de vista.
Sob a perspectiva psicológica, possibilita a análise de como as imagens da loucura do artista transportaram-se para os objetos. Na perspectiva estética, é possível discutir e avaliar sua contribuição para a arte brasileira de vanguarda. Pela ótica mítica, pode-se tentar recompor o seu universo onírico e buscar traduzir sua simbologia e sua cosmovisão, de significados cristãos e profanos.
A obra de Arthur Bispo do Rosário pode ser apreciada sob diversos pontos de vista.
Sob a perspectiva psicológica, possibilita a análise de como as imagens da loucura do artista transportaram-se para os objetos. Na perspectiva estética, é possível discutir e avaliar sua contribuição para a arte brasileira de vanguarda. Pela ótica mítica, pode-se tentar recompor o seu universo onírico e buscar traduzir sua simbologia e sua cosmovisão, de significados cristãos e profanos.
Há outras abordagens possíveis. O leigo, talvez, prefira apreciar as
cores, composições, simetrias e os aspectos lúdicos de sua arte. No
entanto, é impossível não ficar curioso e surpreendido pelo
recolhimento e aproveitamento de objetos, pelo esforço colecionador e
pela disposição ordenada de coisas, pela profusão e riqueza de
detalhes, operados com minúcia e cuidado. Não se pode igualmente negar
o seu talento, que se expressa de múltiplas formas e em variados
suportes.
Após
o impacto inicial das primeiras exposições, foram escritos artigos,
ensaios e trabalhos científicos diversos. Bispo do Rosário virou livro,
peça de teatro e vai virar filme este ano, pelas mãos do cineasta
Geraldo Motta. Muito ainda terá que ser feito para revelar a
grandiosidade de sua produção artística.
Fonte: Fashion Genesis, Moda e Consultoria de Estilo
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