quinta-feira, 8 de agosto de 2013

EDUCAÇÃO E RELAÇÕES RACIAIS

 Professora: Meri T. Mackowiak    Considerações Gerais
Para que a escola consiga avançar na relação entre saberes escolares, realidade social, diversidade étnico- cultural é preciso que os educadores compreendam que o processo educacional também é formado por dimensões como a ética, as diferentes identidades, a diversidade, a sexualidade, a cultura, as relações raciais, entre outras. É preciso que a escola se conscientize cada vez mais de que ela existe para atender a sociedade na qual está inserida e não aos órgãos governamentais ou aos desejos dos educadores.
Uma melhor compreensão sobre o que é racismo e seus desdobramentos poderia ser um dos caminhos para se pensar estratégias de combate ao racismo na educação. É necessário inserir a discussão sobre o tratamento que a escola tem dado às relações raciais no interior desse debate. É preciso abrir esse debate e tocar com força nessa questão tão delicada. É preciso construir novas práticas. Realizar discussões na escola que trabalhem temas como: a influência da mídia, a religião, a cultura, a estética, a corporeidade, a música, a arte, os movimentos culturais, na perspectiva afro- brasileira.
E, por último, penso que todo educador, ao trabalhar com questão racial, deveria tomar conhecimento das lutas, demandas e conquistas do Movimento Negro. Não podemos nos esquecer de que a inclusão da temática racional na escola brasileira e o reconhecimento a sua inclusão no currículo deve muito à atuação desse movimento.

Professora: Meri T. Mackowiak

                EDUCAÇÃO E RELAÇÕES RACIAIS:
 REFLETINDO SOBRE ALGUMAS ESTRATÉGIAS DE ATUAÇÃO
                                                           Nilma Lino Gomes
                     Professora Assistente do Departamento de Administração Escolar
                                                da Faculdade de Educação da UFMG.
                                             Doutoranda em Antropologia Social/USP
   Gostaria de iniciar esse artigo relembrando um documentário muito
interessante intitulado Olhos Azuis1, que vale a pena ser visto. Esse
documento relata a experiência da sra. Jane Eliot, professora e psicóloga
branca nos EUA, que organiza e desenvolve um workshop com pessoas
de diferentes grupos étnico/raciais para discutir sobre o racismo e seus
desdobramentos.
   Mas por que uma mulher branca nos EUA, poderia se interessar em
desenvolver um trabalho como esse? De acordo com o documentário,
                         tudo começou quando essa professora ainda lecionava
                         para crianças numa cidade do interior. Um dia, ela se viu
                         questionada pelos alunos sobre os motivos que levaram
                         ao assassinato do líder negro Martin Luther King, em
                         1968, nos EUA. A partir dessa curiosidade das crianças
                         a professora se viu diante de um desafio: como explicar
                         uma questão tão complexa para seus alunos? Que recursos
                         ela poderia usar para tornar o assunto compreensível
                         para aquelas crianças? Ela se deu conta de que não havia
                         recursos didáticos para explicar aos alunos o que era
                         realmente o racismo. Assim, a professora concluiu que
                         só se as pessoas pudessem se colocar no lugar daqueles
                         que eram discriminados racialmente, é que elas poderiam
                         compreender o que era o racismo. Então, ela teve uma
                         idéia: realizou com os seus alunos uma dinâmica de
                         grupo em que, durante um dia letivo inteiro, as crianças
                         que tivessem olhos azuis, passariam por uma situação
                         de discriminação. Elas deveriam ser rejeitadas pelas
                         outras devido à cor dos seus olhos. Ter olhos azuis seria,
                                      
a partir daquele momento, um atributo merecedor de
desprezo. A escolha da cor dos olhos, uma característica
do fenótipo (assim como a cor da pele), foi a forma mais
próxima de fazer as crianças se aproximarem do drama
dos negros que sofrem a discriminação racial devido a
fatores históricos, culturais e também raciais. Nesse caso,
a cor da pele, o tipo de cabelo, o formato dos lábios, entre
outras características que remetem à herança africana,
são vistos pelo racista como marca de inferioridade. A
dinâmica foi explicada e negociada previamente com
as crianças, que aceitaram a proposta. Então, durante
esse dia, as crianças de olhos azuis foram rejeitadas por
seus colegas que não conversavam direito com elas, não
as respeitavam, não bebiam no mesmo bebedouro, em
suma, as discriminavam. A professora acompanhou toda
a experiência e fotografou as crianças antes e depois do
trabalho. Ao terminar a aula, a classe inteira se reuniu
para discutir sobre o que havia acontecido. Os alunos e
as alunas falaram sobre o que sentiram, principalmente,
os de olhos azuis. Os sentimentos giravam em tomo de
sensações como: impotência, raiva, vontade de vingança,
tristeza, ressentimento, inferioridade e incapacidade.
A professora discutiu com a turma sobre o que eles
tinham achado do comportamento adotado pelos
alunos que não tinham olhos azuis. Ele fazia sentido?
Unanimemente, a classe disse que não. Concluíram,
a partir daquela experiência, que não se deve julgar e
maltratar as pessoas simplesmente porque nasceram com
a cor dos olhos diferente umas das outras. A cor dos
olhos em nada interfere no caráter, na personalidade e
na capacidade das pessoas e nem deveria ser um critério
para que alguns grupos humanos fossem tratados de
maneira desigual em relação aos outros. Após uma longa
conversa com os alunos, analisando cada fato acontecido
durante aquele dia letivo, a professora pôde relacionar a
dinâmica realizada com a questão racial. Explicou para
a classe o sistema escravista, o racismo e a situação dos
negros norte-americanos. Explicou, também, a atuação
de Martin Luther King na luta pelos direitos civis, pela
superação do racismo e o tanto que ele e outros ativistas
negros incomodavam a ordem racista que imperava na
             
           Educação e relações raciais: refletindo sobre algumas estratégias de atuação
                             sociedade norte-americana da época. Assim, ela também
                             pôde explicar por que esse grande líder negro havia sido
                             assassinado.
    Diferentemente do que se possa pensar, a ousadia e a coragem da
professora não lhe renderam louvores e reconhecimento por parte da escola
e da comunidade. Logo que souberam do acontecido, os pais se voltaram
contra a educadora e retiraram as crianças da sala dela, pois não queriam os
filhos estudando com uma “amiga de negros”. A represália ainda foi maior.
A comunidade desprezou os filhos dessa mulher, boicotou o restaurante da
sua família, a ponto de o estabelecimento ir à falência, fora outros tipos de
insultos. Tudo isso, ao invés de desanimar a referida professora só serviu
para estimulá-la ainda mais na luta contra a ignorância e a hostilidade do
racismo, pois ela não queria, enquanto educadora, continuar contribuindo
para a formação de pessoas racistas. Assim, ela se enfronhou nas leituras
sobre as mais diferentes formas de racismo que existem no mundo, desde o
nazismo, o fascismo, o Apartheid, até os de tipo mais sutil. No decorrer dos
anos, a sua dinâmica foi se aperfeiçoando e, hoje, uma de suas atividades
profissionais tem sido a realização de workshop e dinâmicas de grupo que
possibilitem às pessoas vivenciar “na pele” o que é o racismo. É muito
interessante assistir ao documentário e à realização do workshop. Os
depoimentos dos negros, dos latinos e dos brancos que dele participam
são muito impressionantes. É muito interessante, também, ver as fotos das
crianças com as quais essa experiência se iniciou e ouvi-las hoje, depois
de adultas. Nos seus depoimentos, os ex-alunos, agora adultos, falam da
importância dessa experiência na sua vida e que a partir de então, eles se
construíram como pessoas que tentam desenvolver uma relação de respeito
com os negros e os outros segmentos discriminados.
    Não quero estimular ninguém a desenvolver esse projeto sem o mínimo
de preparo, discernimento e entendimento sobre o tema. Todavia, quando
assisti ao filme, refleti sobre o quanto a discussão sobre a questão racial
está ligada a um terreno delicado: as nossas representações e os nossos
valores sobre o negro. O trabalho da professora norte-americana consiste
em colocar as pessoas que se inscrevem no seu workshop diante dos seus
próprios valores raciais, levando-as a questioná-los, a partir do momento em
                                               
que se encontram numa situação de discriminação semelhante àquela vivida
pelo outro, pelo diferente. Essas pessoas, por algumas horas, são obrigadas
a saírem do seu lugar, do seguro lugar ocupado pelo “nós” para estarem
no lugar do “outro”. E isso é muito complexo. Mexe com o que há de
mais íntimo nas pessoas e as questiona sobre o verdadeiro sentido dos seus
valores, dos seus julgamentos, dos seus preconceitos.
   Penso que esse documentário deveria ser assistido pelos(as) professores(as).
Apesar de se referir à realidade dos EUA, ele toca em questões ligadas aos
preconceitos, às representações sobre o negro e às identidades, temáticas
que a escola, hoje, está cada vez mais desafiada a enfrentar e a tratar
pedagogicamente.
   Dessa forma, o documentário serve para aguçar as nossas reflexões
sobre a realidade racial dos negros no Brasil. Ele também pode nos ajudar
a pensar o tratamento que a escola tem dado a essa questão. Como será que
nós, professores e professoras, temos trabalhado com a questão racial na
escola? Que atitudes tomamos frente às situações de discriminação racial no
interior da escola e da sala de aula? Até quando esperaremos uma situação
drástica de conflito racial ou enfrentamento para respondermos a essas
perguntas? Por que será que a questão racial ainda encontra tanta dificuldade
para entrar na escola e na formação do professorado brasileiro?
   Ainda encontramos muitos(as) educadores(as) que pensam que discutir
sobre relações raciais não é tarefa da educação. É um dever dos militantes
políticos, dos sociólogos e antropólogos. Tal argumento demonstra uma
total incompreensão sobre a formação histórica e cultural da sociedade
brasileira. E, ainda mais, essa afirmação traz de maneira implícita a idéia de
que não é da competência da escola discutir sobre temáticas que fazem parte
do nosso complexo processo de formação humana. Demonstra, também, a
crença de que a função da escola está reduzida à transmissão dos conteúdos
historicamente acumulados, como se estes pudessem ser trabalhados de
maneira desvinculada da realidade social brasileira.
   Não há como negar que a educação é um processo amplo e complexo
de construção de saberes culturais e sociais que fazem parte do acontecer
humano. Porém, não é contraditório que tantos educadores concordem
com essa afirmação e, ao mesmo tempo, neguem o papel da escola no trato
                                      
           Educação e relações raciais: refletindo sobre algumas estratégias de atuação
com a diversidade étnico-racial? Como podemos pensar a escola brasileira,
principalmente a pública, descolada das relações raciais que fazem parte da
construção histórica, cultural e social desse país? E como podemos pensar
as relações raciais fora do conjunto das relações sociais?
   Para que a escola consiga avançar na relação entre saberes escolares/
realidade social/diversidade étnico-cultural é preciso que os(as) educadores(as)
compreendam que o processo educacional também é formado por dimensões
como a ética, as diferentes identidades, a diversidade, a sexualidade, a
cultura, as relações raciais, entre outras. E trabalhar com essas dimensões
não significa transformá-las em conteúdos escolares ou temas transversais,
mas ter a sensibilidade para perceber como esses processos constituintes da
nossa formação humana se manifestam na nossa vida e no próprio cotidiano
escolar. Dessa maneira, poderemos construir coletivamente novas formas de
convivência e de respeito entre professores, alunos e comunidade. É preciso
que a escola se conscientize cada vez mais de que ela existe para atender a
sociedade na qual está inserida e não aos órgãos governamentais ou aos
desejos dos educadores.
   Contudo, não podemos generalizar e dizer que todos(as) os(as)
educadores(as) sofrem de apatia e passividade. Durante as palestras e debates
de que tenho participado nos últimos anos, tenho notado que, aos poucos,
vem crescendo o número de educadores(as) que desejam dar um tratamento
pedagógico à questão racial. Esse movimento tem impulsionado a escola
brasileira a pensar sobre a necessidade de se criar estratégias de combate ao
racismo na escola e de valorização da população negra na educação.
   Porém, antes de pensarmos em quais estratégias poderemos adotar, é
importante que estejamos atentos ao seguinte ponto: se todos nós estamos
de acordo com a necessidade de se desenvolver estratégias de combate ao
racismo na escola (que é o objetivo desse livro), concordamos com o fato
de que o racismo existe na sociedade brasileira. E mais, concordamos que
racismo está presente na escola brasileira. Esse é um ponto importante porque
rompe com a hipocrisia da nossa sociedade diante da situação da população
negra e mestiça desse país e exige um posicionamento dos(as) educadores(as).
Essa constatação também contribui para desmascarar a 1mbigüidade do
racismo brasileiro que se manifesta através do histórico movimento de
                                               
afirmação/negação. No Brasil, o racismo ainda é insistentemente negado
no discurso do brasileiro, mas se mantém presente nos sistemas de valores
que regem o comportamento da nossa sociedade, expressando-se através das
mais diversas práticas sociais.2
    E a escola? Ela manifesta essa ambigüidade? Sim, essa ambigüidade
também pode ser vista no discurso e na prática dos(as) professores(as). É
preciso enfrentar essa questão. Como nos diz PEREIRA (1996)3, ignorar essa
ambigüidade não nos levará a lugar algum. É preciso combatê-la.
    Uma melhor compreensão sobre o que é o racismo e seus desdobramentos
poderia ser um dos caminhos para se pensar estratégias de combate ao racismo
na educação4. Muitos professores ainda pensam que o racismo se restringe à
realidade dos EUA, ao nazismo de Hitler e ao extinto regime do Apartheid
na África do Sul. Esse tipo de argumento é muito usado para explicar a
suposta inexistência do racismo no Brasil e ajuda a reforçar a ambigüidade
do racismo brasileiro. Além de demonstrar um profundo desconhecimento
histórico e conceptual sobre a questão, esse argumento nos revela os efeitos
do mito da democracia racial na sociedade brasileira, esse tão falado mito
que nos leva a pensar que vivemos em um paraíso racial.
    O entendimento conceptual sobre o que é racismo, discriminação racial
e preconceito, poderia ajudar os(as) educadores(as) a compreenderem a
especificidade do racismo brasileiro e auxiliá-los a identificar o que é uma
prática racista e quando esta acontece no interior da escola. Essa é uma
discussão que deveria fazer parte do processo de formação dos professores.
  Essa idéia está muito bem trabalhada num artigo escrito pelo professor João Baptista Borges Pereira.
Seria muito bom consultar: PEREIRA, João Baptista Borges. “Racismo à Brasileira”. In: MUNANGA,
Kabengele (org.). Estratégias políticas de combate ao racismo. São Paulo: EDUSP, 1996, p.75-78.

   Sobre essa questão pode-se sugerir algumas obras como: BENTO, Maria Aparecida
Silva. Cidadania em preto e branco: discutindo as relações raciais. São Paulo: Ática, 1998;
GOMES, Nilma Lino. A mulher negra que vi de perto. Belo Horizonte: Mazza Edições,
1995; GONÇALVES, Luiz A. Oliveira e GONÇALVES e SILVA, Petronilha Beatriz. Jogo
das diferenças: o multiculturalismo e seus contextos. Belo Horizonte: Autêntica, 1998;
MUNANGA, Kabengele (Org.) Estratégias políticas
de combate ao racismo. São Paulo: EDUSP, 1996; QUEIROZ, Renato da Silva. Não vi e não gostei:
o fenômeno do preconceito, São Paulo: Moderna, 1996.
                                               
            Educação e relações raciais: refletindo sobre algumas estratégias de atuação
Porém, é necessário que, na educação, a discussão teórica e conceptual sobre
a questão racial esteja acompanhada da adoção de práticas concretas. Julgo
que seria interessante se pudéssemos construir experiências de formação
em que os professores pudessem vivenciar, analisar e propor estratégias de
intervenção que tenham a valorização da cultura negra e a eliminação de
práticas racistas como foco principal. Dessa forma, o entendimento dos
conceitos estaria associado às experiências concretas, possibilitando uma
mudança de valores. Por isso, o contato com a comunidade negra, com os
grupos culturais e religiosos que estão ao nosso redor é importante, pois
uma coisa é dizer, de longe, que se respeita o outro, e outra coisa é mostrar
esse respeito na convivência humana, é estar cara a cara com os limites que
o outro me impõe, é saber relacionar, negociar, resolver conflitos, mudar
valores.
   E é justamente o campo dos valores que apresenta uma maior
complexidade, quando pensamos em estratégias de combate ao racismo e
de valorização da população negra na escola brasileira. Tocar no campo dos
valores, das identidades, mexe com questões delicadas e subjetivas e nos leva
a refletir sobre diversos temas presentes no campo educacional. Um deles se
refere à autonomia do professor.
   Mas qual é a relação entre autonomia do professor e a questão racial?
Para responder a essa pergunta, gostaria que refletíssemos sobre quais são as
interpretações do professorado sobre a autonomia em sala de aula. Já ouvi
muitos(as) educadores(as) dizerem que a autonomia do docente significa a
liberdade de escolha para adotar uma determinada metodologia, discutir
ou não certas temáticas, usar da sua autoridade para com o aluno, discutir
política partidária no interior da escola, entre outros. Todos nós sabemos
que a autonomia não se reduz a isso. Porém, ao tratar da temática racial,
alguns docentes usam de uma compreensão deturpada de autonomia para
reproduzir e produzir práticas racistas.
   Ao entrar nesse debate, estamos questionando a nossa atuação profissional
e a nossa postura ética diante da diversidade étnico-cultural e das suas
diferentes manifestações no interior da escola. Que tipo de profissionais
temos sido? A educação carece de princípios éticos que orientem a prática
pedagógica e a sua relação com a questão racial na escola e na sala de aula.
                                                
Isso não significa desrespeitar a autonomia do professor, mas entendê-la e,
muitas vezes, questioná-la. Significa perguntar até que ponto, em nome de
uma suposta autonomia, uma professora pode colocar uma criança negra
para dançar com um pau de vassoura durante uma festa junina porque
nenhum coleguinha queria dançar com um “negrinho”.5 Discutir essa
“autonomia” do professor representa, também, denunciar práticas em que
o (a) professor(a) estabelece que o castigo para os alunos “desobedientes”
será sentar ao lado do aluno negro da sala. Representa abrir um processo
jurídico contra uma professora que, devido a um desentendimento político
com uma colega, se julga no direito de entrar em sua sala de aula e xingá-la
e “negra suja”. A escola deve, por um acaso, em nome da “autonomia” de
cada docente, permitir e ser conivente com o (a) professor(a) que permite
que as meninas brancas chamem a colega negra de “negra do cabelo duro”
ou “cabelo de bombril”? Questiono, então: que autonomia é essa? Respondo:
autonomia não significa ser livre para fazer o que eu quero. É preciso que as
práticas pedagógicas sejam orientadas por princípios éticos que norteiem as
relações estabelecidas entre professores, pais e alunos no interior das escolas
brasileiras. E é necessário inserir a discussão sobre o tratamento que a escola
tem dado às relações raciais no interior desse debate.
    Refletir sobre os valores que estão por detrás de práticas como as que
citamos anteriormente nos leva a pensar que não basta apenas lermos o
documento de “Plural idade Cultural”, ou analisarmos o material didático, ou
discutirmos sobre as questões curriculares presentes na escola se não tocarmos
de maneira séria no campo dos valores, das representações sobre o negro,
que professores(as) e alunos(as) negros, mestiços e brancos possuem. Esses
valores nunca estão sozinhos. Eles, na maioria das vezes, são acompanhados
de práticas que precisam ser revistas para construirmos princípios éticos e
realizarmos um trabalho sério e competente com a diversidade étnico-racial
na escola. É preciso abrir esse debate e tocar com força nessa questão tão
delicada. Caso contrário, continuaremos acreditando que a implementação

  As situações apresentadas nesse artigo são verídicas, ocorrendo no interior de escolas
públicas municipais e estaduais de Belo Horizonte. Por uma questão de ética, não
mencionarei o nome das instituições onde ocorreram as práticas discriminatórias aqui
descritas.
                                          
             Educação e relações raciais: refletindo sobre algumas estratégias de atuação
de práticas anti-racistas no interior da escola só dependerá do maior acesso
à informação ou do processo ideológico de politização das consciências
dos docentes. Reafirmo que é preciso construir novas práticas. Julgo ser
necessário que os(as) educadores(as) se coloquem na fronteira desse debate
e que a cobrança de novas posturas diante da questão racial passe a ser uma
realidade, não só dos movimentos negros, mas também dos educadores,
dos sindicatos e dos centros de formação de professores. Quem sabe
assim poderemos partir para iniciativas concretas, desenvolvendo projetos
pedagógicos juntamente com a comunidade negra, com as ONG’s e com
os movimentos sociais. Assim, poderemos realizar discussões na escola que
trabalhem temas como: a influência da mídia, a religião, a cultura, a estética,
a corporeidade, a música, a arte, os movimentos culturais, na perspectiva
afro-brasileira. Essas e outras temáticas podem e devem ser realizadas ao
longo do processo escolar e não somente nas datas comemorativas, na
semana do folclore ou durante a semana da cultura.
    Uma estratégia interessante e que poderá nos ajudar na mudança
de valores e práticas é conhecer outras experiências de intervenção bem
sucedidas no trato da questão racial. Posso citar, nas poucas páginas desse
artigo, a experiência do Núcleo de Estudos Negros – NEN, de Florianópolis.
Além de publicações e de folhetos informativos, esse grupo tem produzido
vídeos, participado e promovido debates com a presença de especialistas
na área, orientado projetos nas escolas, etc. A série “Pensamento Negro
em Educação” é uma publicação desse grupo quee deveria fazer parte da
biblioteca de todo(a) professor(a)6.
    O Projeto de Extensão Pedagógica do Ilê Aiyê7 em Salvador é também uma
experiência que deve ser conhecida e que trabalha na fronteira da mudança de
valores e instauração de novas práticas. Esse projeto tem realizado trabalhos

  Para melhor conhecer o trabalho do NEN: Núcleo de Estudos Negros - Rua Joana de
Gusmão, sala 303, CEP 88.010-420 - Centro - Florianópolis - SC - Tel: (048)224
0769, e-mail: nen@ced.ufsc.br.

  Associação Cultural Ilê Aiyê surgiu há 22 anos a partir do bloco carnavalesco Ilê Aiyê.
O endereço para contato é: Rua do Curuzu, 233 - Liberdade - CEP.: 40.365-000 - Salvador
-Bahia - Telefax: (071)241-4969.
                                                 
em parceria com escolas públicas, capacitando professores(as) e envolvendo
os alunos em projetos pedagógicos e oficinas, cuja temática racial é o objetivo
principal. Além desse projeto, o Ilê Aiyê mantém, desde 1988, a escola
comunitária de ensino fundamental Mãe Hilda, no bairro da Liberdade, cujo
projeto pedagógico tem como base a cultura e a história do povo negro no
Brasil. O Ilê ainda mantém uma escola de percussão, a Banda Erê, formada
por crianças da comunidade e por meninos de rua. Para quem quiser
acompanhar todos esses trabalhos, a Associação Cultural Ilê Aiyê publica
o Caderno de Educação do Ilê Aiyê, um material que pode ser adquirido e
utilizado pelas escolas e pelos centros de formação de professores.
   As duas experiências acima citadas exemplificam práticas que têm sido
desenvolvidas no Brasil e que têm como enfoque o trabalho com educação
e relações raciais. Infelizmente, esses e outros trabalhos importantes ainda
não são conhecidos pelos educadores. Conhecê-los, visitá-los, solicitar
assessoria e adquirir o material, poderá ser uma importante estratégia a ser
desenvolvida pelas escolas. Assim, quem sabe, os professores deixarão de
perguntar o quê e como fazer, para se relacionarem com quem já tem feito
há muito tempo.
   Não dá mais para dizer que as experiências não existem. Será que temos tido
oportunidade e/ou boa vontade de conhecê-las? Será que os órgãos oficiais,
os centros de formação de professores, as propostas inovadoras de educação,
têm tido o interesse de mapeá-las e divulgá-las? Pensar na inserção política e
pedagógica da questão racial nas escolas significa muito mais do que ler livros
e manuais informativos. Representa alterar os valores, a dinâmica, a lógica,
o tempo, o espaço, o ritmo e a estrutura das escolas. Significa dar subsídios
aos professores, colocá-los em contato com as discussões mais recentes sobre
os processos educativos, culturais, políticos. Mas, para que isso aconteça, não
basta somente desejarmos ardentemente ou reclamarmos cotidianamente de
que nenhuma iniciativa tem sido tomada. A escola e os educadores têm
que se mobilizar. Nós, os(as) professores(as), somos conhecidos como uma
categoria de lutas e de conquistas. Se reconhecemos que o trato pedagógico
da diversidade é um direito de do cidadão pertencente a qualquer grupo
étnico-racial e um interesse dos educadores, que têm compromisso com a
extensão da cidadania e democracia, pergunto: que movimento temos feito
em direção a um trabalho pedagógico com a questão racial? Para se realizar
                    Educação e relações raciais: refletindo sobre algumas estratégias de atuação
mudanças é preciso que haja movimento. E movimento não combina com
ações isoladas. É preciso que nos organizemos enquanto grupo.
    Uma outra proposta de trabalho com a diversidade étnico-racial e que
pode ser considerada como uma estratégia de combate ao racismo no interior
da escola refere-se à organização de trabalhos conjuntos entre diferentes
instituições escolares. Para isso, é necessário realizar um mapeamento das
escolas que estejam realizando trabalhos interessantes com a questão racial.
Esse mapeamento pode ser desenvolvido pela universidade (um projeto de
extensão), pelos centros de formação de professores ou por equipes técnicas
da secretaria de educação e divulgado para as escolas. Após esse mapeamento,
pode-se promover encontros e trocas de experiências entre os docentes.
Para tal, é preciso flexibilizar os tempos escolares (que já está proposto na
LDB) e pensar em momentos de participação da comunidade junto com
os professores e alunos. Essa mesma estratégia pode ser realizada, numa
escala menor, no interior da própria escola. Quantas vezes temos vontade
de conhecer um trabalho interessante de uma colega ou de um grupo de
colegas e somos barrados pela rigidez do tempo escolar!
    E, por último, penso que todo(a) educador(a), ao trabalhar com a questão
racial, deveria tomar conhecimento das lutas, demandas e conquistas do
Movimento Negro. Não podemos nos esquecer de que a inclusão da temática
racional na escola brasileira e o reconhecimento a sua inclusão no currículo
deve muito à atuação desse movimento.
    Um primeiro passo para um trabalho envolvendo o Movimento Negro
poderia ser um mapeamento das entidades políticas e culturais que trabalham
com a questão racial. Onde se localizam? O que elas fazem? Quem delas
participa? Existe alguma organização desse tipo próximo da escola onde atuo?
Há quanto tempo ela existe? Os pais e alunos da comunidade participam
de alguma entidade política e cultural que luta contra o racismo e preserva
a cultural afro-brasileira? Esse pequeno levantamento poderá levar muitas
escolas a descobrirem entidades políticas negras e/ou grupos culturais negros
na sua própria região, possibilitando um trabalho integrado entre a escola
e a comunidade. Sem dúvida, essa iniciativa será a efetivação de um dos
objetivos do projeto político-pedagógico da escola. É bom lembrar que essa
atitude certamente trará um estranhamento para ambas as partes e exigirá
                                               
disposição, capacidade de negociação, maturidade, mudança de valores e
um outro entendimento da relação entre os saberes escolares e os saberes
culturais.
   Todos nós estamos desafiados a pensar diferentes maneiras de trabalhar
com a questão racial na escola. Será que estamos dispostos? Podemos,
enquanto educadores(as) comprometidos(as) com a democracia e com a luta
pela garantia dos direitos sociais, recusar essa tarefa? A nossa meta final como
educadores(as) deve ser a igualdade dos direitos sociais a todos os cidadãos
e cidadãs. Não faz sentido que a escola, uma instituição que trabalha com
os delicados processos da formação humana, dentre os quais se insere a
diversidade étnico-racial, continue dando uma ênfase desproporcional à
aquisição dos saberes e conteúdos escolares e se esquecendo de que o humano
não se constitui apenas de intelecto, mas também de diferenças, identidades,
emoções, representações, valores, títulos... Dessa forma, entendo o processo
educacional de uma maneira mais ampla e profunda. Poderemos avançar
no nosso papel como educadores/as e realizar um trabalho competente em
relação à diversidade étnico-racial.

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