A DESCONSTRUÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO NO LIVRO DIDÁ̆TICO
Ana Célia da Silva
Professora Assistente do Departamento de Educação
da Universidade do Estado da Bahia – UNEB.
Doutoranda em Educação da Universidade Federal da Bahia – UFBA.
Introdução
Conhecer para entender, respeitar e integrar, aceitando as contribuições
das diversas culturas, oriundas das várias matrizes culturais presentes
na sociedade brasileira, deve ser o objetivo específico da introdução nos
currículos do tema transversal Pluralidade Cultural e Educação, que
considero universal, pela sua abrangência e importância social.
Contudo, torna-se necessário refletir até que ponto as culturas
oriundas dos grupos subordinados na sociedade, cujas contribuições não
são consideradas como tradição e passado significativo e, por isso, são
invisibilizadas e minimizadas nos currículos, poderão vir a ser objeto de
investigação e constituir-se na prática educativa dos professores.
Por outro lado, os sujeitos dessas culturas são representados, em grande
parte, nos meios de comunicação e materiais pedagógicos, sob forma
estereotipada e caricatural, despossuídos de humanidade e cidadania.
No livro didático a humanidade e a cidadania, na maioria das vezes, são
representadas pelo homem branco e de classe média. A mulher, o negro, os
povos indígenas, entre outros, são descritos pela cor da pele ou pelo gênero,
para registrar sua existência.
Rosemberg (1985, p.77) corrobora essa afirmativa quando diz que “o
homem branco adulto proveniente dos estratos médios e superiores da
população é o representante da espécie mais freqüente nas estórias, aquele que
recebe um nome próprio, aquele que se reveste da condição de normal”.
A invisibilidade e o recalque dos valores históricos e culturais de um povo, bem
como a inferiorização dos seus atributos adscritivos, através de estereótipos, conduz
esse povo, na maioria das vezes, a desenvolver comportamentos de auto-rejeição,
resultando em rejeição e negação dos seus valores culturais e em preferência pela
estética e valores culturais dos grupos sociais valorizados nas representações.
Por outro lado, os mecanismos de invisibilização e de recalque das diferenças
adscritivas e culturais dos segmentos sociais subordinados, uma vez saturados
através da sua freqüência nos veículos de reprodução ideológica e tornados
hegemônicos, passam a ser o senso comum de todos, indiferente de raça/etnia e classe social.
Observando-se de uma forma determinista o problema, que é em grande
parte relativizado pela ação humana, como veremos a seguir, os professores, a quem é atribuída a ação de contemplar as diferenças culturais na sua prática pedagógica, poderiam ter internalizado o senso comum da desigualdade das
diferenças culturais e não evidenciar na sua prática pedagógica essa ação.
Nesse sentido, afirmo que cabe uma formação específica para o professor
de Ensino Fundamental, com o objetivo de fundamentá-lo para uma prática
pedagógica, com as condições necessárias para identificar e corrigir os estereótipos
e a invisibilidade constatados nos materiais pedagógicos, especificamente nos textos e ilustrações dos livros didáticos.
Acredito que desmontar os estereótipos possa vir a ser um dos objetivos
específicos dos cursos de formação de professores, especialmente para os
das séries iniciais, como uma das formas de visibilizar as diferentes práticas
cotidianas, experiências e processos culturais, sem o estigma da desigualdade, colocando todos eles como parte do passado significativo, da tradição e do conhecimento universal.
O livro didático, a ideologia e as formas de sua reversão
O livro didático ainda é, nos dias atuais, um dos materiais pedagógicos
mais utilizados pelos professores, principalmente nas escolas públicas, onde,
na maioria das vezes, esse livro constitui-se na única fonte de leitura para os
alunos oriundos das classes populares.
A desconstrução da discriminação no livro didático
Para as crianças empobrecidas, esse livro ainda é, talvez, o único recurso
de leitura na sua casa, onde não se compram jornais e revistas.
Também para o professor dessas escolas, onde os materiais pedagógicos
são escassos e as salas de aula repletas de alunos, o livro didático talvez seja
um material que supra as suas dificuldades pedagógicas.
Por outro lado, em virtude da importância que lhe é atribuída e do
caráter de verdade que lhe é conferido, o livro didático pode ser um veículo
de expansão de estereótipos não percebidos pelo professor.
O livro didático, de um modo geral, omite ou apresenta de uma na
simplificada e falsificada o cotidiano, as experiências e o processo histórico-
cultural de diversos segmentos sociais, tais como a mulher, o branco, o
negro, os indígenas e os trabalhadores, entre outros.
Em relação à população negra, sua presença nesses livros foi marcada
pela estereotipia e caricatura, identificadas pelas pesquisas realizadas nas
duas últimas décadas.
A criança negra era ilustrada e descrita através de estereótipos
inferiorizantes e excluída do processo de comunicação, uma vez que o autor
se dirigia apenas ao público majoritário nele representado, constituído por
crianças brancas e de classe média.
Ao veicular estereótipos que expandem uma representação negativa
do negro e uma representação positiva do branco, o livro didático está
expandindo a ideologia do branqueamento, que se alimenta das ideologias,
das teorias e estereótipos de inferioridade/superioridade raciais, que se
conjugam com a não legitimação pelo Estado, dos processos civilizatórios
indígena e africano, entre outros, constituintes da identidade cultural da
nação (SILVA, 1989, p 57).
A ideologia do branqueamento se efetiva no momento em que,
internalizando uma imagem negativa de si próprio e uma imagem positiva
do outro, o indivíduo estigmatizado tende a se rejeitar, a não se estimar e a
procurar aproximar-se em tudo do indivíduo estereotipado positivamente e
dos seus valores, tidos como bons e perfeitos.
A ideologia vista como um sistema de representações dotado de
uma existência e de um papel histórico no seio de uma sociedade dada
(ALTHUSSER, 1987) e “como um sistema de símbolos que agem entre si e
fornecem as formas básicas de tornar portadoras de sentido situações que
de outro modo seriam incompreensíveis” (Geertz, apud APPLE, 1982, p. 35)
cumpre, em parte, o seu papel de representar parcialmente a realidade.
Os estereótipos, por sua vez, têm uma função importante nesse processo,
uma vez que é através deles, em grande parte, que as ideologias são veiculadas nos materiais pedagógicos.
Visto como uma visão simplificada e conveniente de um indivíduo
ou de um grupo, o estereótipo constrói uma idéia negativa a respeito do
outro, nascida da necessidade de promover e justificar a agressão (SANTOS,
1984).
Para Jones (1973), os estereótipos representam uma atitude negativa
com relação a um grupo ou a uma pessoa, baseando-se num processo de
comparação em que o grupo do indivíduo é considerado como o ponto
positivo de referência.
Os estereótipos geram os preconceitos, que se constituem em um juízo
prévio a uma ausência de real conhecimento do outro.
A presença dos estereótipos nos materiais pedagógicos e especificamente
nos livros didáticos, pode promover a exclusão, a cristalização do outro
em funções e papéis estigmatizados pela sociedade, a auto-rejeição e a baixa
auto-estima, que dificultam a organização política do grupo estigmatizado.
O professor pode vir a ser um mediador inconsciente dos estereótipos
se for formado com uma visão acrítica das instituições e por uma ciência
tecnicista e positivista, que não contempla outras formas de ação e
reflexão.
Segundo Cardoso, “a questão racial brasileira pode, quem sabe, levá-los a
desenvolver uma postura crítica diante de instrumentos pedagógicos a que
vêm recorrendo tão passivamente” (1992, p. 59).
Porém, esse processo não se efetiva de uma forma linear e determinista,
A desconstrução da discriminação no livro didático uma vez que a mediação da ação humana, realizada através das experiências
do cotidiano, das práticas culturais dos grupos subordinados, possibilita
a apreensão da contradição, a reelaboração e a resistência às ideologias do
recalque das diferenças.
Nesse sentido, Luz (1990), na sua investigação, identificou a resistência
e a insurgência da criança negra ao recalque nas escolas baianas. Machado
(1989) identificou as religiões africanas como uma das primeiras áreas dessa
resistência, formadoras que são de uma identidade sedimentada a partir dos
ancestrais divinizados e seus arquétipos. Giroux (1983) entende que há áreas dentro e fora da escola que são reapropriadas e reinventadas por grupos subordinados.
A visibilidade da diversidade de papéis e funções
A invisibilidade da diversidade dos papéis e funções exercidos pelos homens e mulheres negros, entre outros, nas ilustrações dos livros didáticos pode ser corrigida, solicitando-se à criança que descreva outras atividades exercidas pelas mulheres e homens negros que constituem sua família, que moram na sua rua, que freqüentam seu local de encontros religiosos e de lazer, etc. Nessa oportunidade, convém fazer a criança identificar a importância das profissões estigmatizadas, mostrando a sua utilidade para a sociedade.
Não ser visível nas ilustrações do livro didático e, por outro lado, aparecer
desempenhando papéis subalternos, pode contribuir para a criança que
pertence ao grupo étnico/racial invisibilizado e estigmatizado desenvolver
um processo de auto-rejeição e de rejeição ao seu grupo étnico/racial.
A presença do negro nos livros, freqüentemente como escravo, sem
referência ao seu passado de homem livre antes da escravidão e às lutas de
libertação que desenvolveu no período da escravidão e desenvolve hoje por
direitos de cidadania, pode ser corrigida se o professor contar a história de
Zumbi dos Palmares, dos quilombos, das revoltas e insurreições ocorridas
durante a escravidão; contar algo do que foi a organização sócio-político-
econômica e cultural na África pré-colonial; e também sobre a luta das
organizações negras, hoje, no Brasil e nas Américas.
A desconstrução do estereótipo de incompetência
Existe por parte de muitos professores uma baixa expectativa em relação
à capacidade dos alunos negros e pertencentes às classes populares.
As origens dessa baixa expectativa podem estar na internalização da
representação do negro como pouco inteligente, “burro”, nos meios de
comunicação e materiais pedagógicos, um estereótipo criado para justificar
a exclusão no processo produtivo pós-escravidão e ainda na atualidade.
A visão dessa representação pode desenvolver também nos alunos não
negros preconceitos quanto à capacidade intelectual da população negra, e,
nas crianças negras, um sentimento de incapacidade que pode conduzi-las
ao desinteresse, à repetência e à evasão escolar.
A correção dessa representação nos textos e ilustrações pode constituir-se
em uma atividade escolar gratificante e criativa, a partir da sua identificação
e desconstrução pelo aluno, orientado pelo professor.
No livro Ciranda do Saber, 2a série (NEVES, sem data, p. 35), existe uma
caricatura de uma menina com uma cabeça enorme, sem cabelos, sentada à
escrivaninha, com um livro nas mãos. O texto, abaixo da ilustração, põe em
dúvida seu interesse pelos estudos, através das seguintes frases:
– A menina da gravura parece gostar de estudar.
– Será que ela gosta de estudar?
O professor pode iniciar uma conversação a respeito das razões por
que uma criança não gosta de estudar. Eis uma boa oportunidade de ouvir
dos alunos uma avaliação dos currículos e da sua prática pedagógica. Em
seguida, pode pedir a eles que corrijam as frases e indiquem colegas que vão
bem nos estudos. Entre os indicados pode estar um aluno negro. Então, o
real vai sobrepor-se à representação não concreta.
Outra sugestão é mostrar e solicitar que indiquem obras de artistas,
escritores, poetas, jogadores e pessoas da comunidade negros e negras, como meio de visibilizar o positivo, contrapondo-se ao estereótipo.
Cabe ao professor, munido dessas e outras informações, demonstrar aos
A desconstrução da discriminação no livro didático
seus alunos que não existe correlação entre capacidade intelectual e cor da
pele. E formar neles atitudes favoráveis às diferenças étnicas e raciais das
pessoas com as quais convivem na sociedade.
Considerar na sala de aula os conhecimentos produzidos pelos
grupos oprimidos, reafirmar a sua capacidade intelectual, uma vez
que a desconsideração desses conhecimentos é uma forma de fazer-
lhes crer na sua falta de capacidade intelectual e assumir a postura de
consciências dependentes, que embora cause muitos danos, não os mantêm
indefinidamente subordinados ao opressor (SILVA, P. G., 1997).
Quanto mais as crianças tiverem conhecimento de que os argumentos
usados para provar a inferioridade de outras raças foram desmentidos, mais
fortemente hábitos e atitudes de aceitação e integração do diferente irão
desenvolver (KLINBERG, 1966).
Desconstruindo os estereótipos de feio, sujo e mau A cor negra aparece com muita freqüência associada a personagens maus:
“O negro associado à sujeira, à tragédia, à maldade, como cor simbólica,
impregna o texto com bastante freqüência” (ROSEMBERG, p. 84).
A criança que internaliza essa representação negativa tende a não gostar
de si própria e dos outros que se lhe assemelham.
Atividades que evidenciem a cor negra associada a algo positivo, como
ébano, ônix, jabuticaba, café, petróleo, azeviche, etc., concorrem para
justapor à representação negativa uma outra positiva.
Refazer as frases com conotação negativa é outra atividade criativa e útil.
No livro Caminho Certo, 3a série (BRASIL, 1983, p.138), aparece a
seguinte frase no texto:
– “...querem ver que o demônio do negrinho tornou a cair...?”
A frase, corrigida por professores, ficou assim:
– “...querem ver que o garoto traquinas tornou a cair...?”
A quadrinha popular “boi da cara preta, pega o menino que tem medo
de careta” foi corrigida assim:
o boi da cara preta tem uma cara bonita, não é uma
careta; o boi da cara preta é irmão do boi da cara branca,
do boi da cara malhada. O boi da cara preta tem a cor
do rosto da mamãe, o rosto que você, criança, se alegra
quando olha... (ANDRADE, 1989, p. 8).
Os cabelos crespos das crianças afro-descendentes são identificados como
cabelo “ruim”, primeiro pelas mães, que internalizaram o estereótipo; e, na
escola, pelos coleguinhas, que põem os mais variados apelidos nas tracinhas
e nos cabelos crespos ao natural.
Trabalhar a razão de ser dos diferentes tipos de cabelo, ensinar como
tratá-los, realizar concursos de penteados afros, trazer trançadeiras para
trançar na sala de aula, são algumas atividades que podem desconstruir a
negatividade atribuída à textura dos cabelos crespos.
Barbosa descontrói o estereótipo através da poesia:
Crespo cabelo trançado com a mais pura graça (...)
Apenas poesia e imaginação dos desenhos transborda
Criando os mais belos caminhos na carapinha
Sedutoramente tecida na raça das tranças
Trent (apud JERSIL, p. 247) notou que as crianças negras que expressavam
sentimentos positivos sobre si mesmas, manifestavam também mais
sentimentos positivos em relação aos outros negros e aos brancos do que as
crianças que eram menos positivas nas suas atitudes em face de si próprias.
Ressignificando as religiões afro-brasileiras
Nas escolas, as crianças que têm valores culturais diferentes recebem
como educação religiosa, na maioria das vezes, valores que não contemplam
a diversidade religiosa e a riqueza das diferenças culturais.
A predominância de uma única matriz religiosa em educação nas escolas,
ensinada sob forma de catequese e não de apreciação histórica e cultural
das diversas religiões, tem contribuído para uma fragmentação da fé que a
criança traz do seu grupo familiar e cultural, tornando-a confusa, muitas
vezes internalizando a imagem idealizada negativa que a escola expande da
sua religião de origem.
Religião/religare é religo, ou seja, uma forma de comunicação com o
Criador e/ou seus intercessores/intermediários, em algumas religiões, como
a católica, as afro-brasileiras e as indígenas, entre outras.
Religião é assunto de foro íntimo, familiar e cultural.
A imposição de uma só matriz religiosa constitui-se em violência
simbólica contra os grupos subordinados, que não têm poder para colocar
seus conteúdos e significados culturais nos currículos de ensino das nossas
escolas.
Requalificando o conceito de pobreza
De um modo geral, o negro é representado nas ilustrações e descrito
como pobre. Porém, a representação do pobre corresponde à do miserável,
uma vez que é descrito e ilustrado como esfarrapado, morador de casebres,
pedinte ou marginal.
Por outro lado, o livro responsabiliza o indivíduo por seu estado de
pobreza quando apenas o descreve e o ilustra como pobre, sem propor uma
discussão sobre as causas da pobreza.
A resistência a ser qualificado de pobre, provém, em grande parte, dessa
representação.
Diferenciar entre o pobre e o miserável, analogia que os filhos das classes
trabalhadoras fazem a partir do estereótipo, que os leva a ter vergonha da
pobreza e a ocultar a sua situação sócio-econômica, e esclarecer as razões
individuais e sociais da existência da pobreza e da miséria são algumas
atividades de reelaboração do estigma.
Ana Célia da Silva
Redesenhar as ilustrações onde o pobre aparece como miserável a partir da vivência do aluno pobre, que tem casa, pais trabalhando, estuda, tem roupas e acessórios e está presente na sala de aula é contrapor-se à representação,
contrastando-a com a realidade concreta.
Reconstruindo o conceito de minoria negra
A invisibilidade e a reduzida representação do negro no livro didático
constroem a ilusão da não existência e da condição de minoria do segmento
negro, mesmo nas regiões onde ele constitui maioria.
Nas ilustrações de grupos e multidões o elemento negro é minoritário.
A condição de representante da espécie do branco também aparece na
ilustração, através da composição de grupos e multidões, que são majoritária
ou exclusivamente brancos, segundo Rosemberg (op. cit., p. 82).
O professor pode estabelecer a comparação entre a ilustração e a realidade do aluno, solicitando que este redesenhe a ilustração de acordo com a realidade da sala de aula, do pátio da escola, do bairro, da rua onde mora, etc.
Nos estados onde o negro é minoria, apresentar os estados e regiões onde
ele é maioria; discutir por que está concentrado nesses estados e regiões, e
qual a sua contribuição sócio-econômica nesses locais.
Corrigindo a auto-rejeição
Os estereótipos, a representação parcial e minimizada da realidade,
conduzem o estereotipado e representado, em grande parte, à auto-rejeição,
à construção de uma baixa auto-estima, à rejeição ao seu assemelhado,
conduzindo-o à procura dos valores representados como universais, na ilusão de tornar-se aquele outro e de libertar-se da dominação e inferiorização.
Os sinais da auto-rejeição são visíveis nos descendentes de africanos, bem
como nos descendentes de indígenas aculturados na América Latina.
A desconstrução da discriminação no livro didático
Fanon (1984) relata, em sua obra, a recusa dos martinicanos à sua cor,
uma vez que internalizaram os valores franceses, assim como a ilusão de
serem também brancos e franceses.
As mil formas de fazer o negro odiar a sua cor são veiculadas habilmente,
dissimuladamente.
O produto da internalização dos estereótipos recalcadores da identidade
étnico-racial, a auto-rejeição e a rejeição ao outro seu igual, são apontados
pela sociedade como “racismo do negro”.
A vítima do racismo torna-se o réu, o executor; e o autor da trama sai
isento e acusador.
Todas as aparições do negro nos livros aqui citadas podem conduzi-lo a
auto-rejeitar-se, bem como ao outro seu assemelhado.
As denominações e associações negativas em relação à cor preta podem
levar as crianças negras, por associação, a sentirem horror à sua pele negra,
procurando várias formas de literalmente se verem livres dela, procurando
a “salvação”no branqueamento.
Guimarães (1988, p. 71), numa narrativa biográfica, ilustra uma dessas
tentativas:
A idéia me surgiu quando minha mãe pegou o preparado
e com ele se pôs a tirar da panela o carvão grudado no
fundo.
(...) eu juntei o pó restante e com ele esfreguei a barriga
da perna. Esfreguei, esfreguei e vi que, diante de tanta
dor; era impossível tirar todo o negro da pele.
Identificar e corrigir a ideologia, ensinar que a diferença pode ser bela,
que a diversidade é enriquecedora e não é sinônimo de desigualdade, é
um dos passos para a reconstrução da auto-estima, do auto-conceito, da
cidadania e da abertura para o acolhimento dos valores das diversas culturas presentes na sociedade.
A título de exemplo, apresento um trabalho de reconstrução realizado
em pesquisa anteriormente citada, que se revelou bela e criativa no desfazer o recalque da cor.
Texto original:
A Borboleta
De manhã bem cedo
Uma borboleta
Saiu do casulo
Era parda e preta.
Foi beber no açude
Viu-se dentro da água
E se achou tão feia
Que morreu de mágoa.
Ela não sabia
– boba! – que Deus
deu para cada bicho
a cor que escolheu.
Um anjo a levou,
Deus ralhou com ela,
Mas deu roupa nova
Azul e amarela.
(Odilo Costa Filho, In: CEGALLA, 1980, p. 12)
O texto corrigido ficou assim:
Foi beber no açude
Viu-se dentro da água
Sentiu-se ônix, e ébano,
Azeviche e jabuticaba.
Aí entendeu,
Tão linda que era,
por que as crianças,
queriam pegá-Ia,
pra brincar com ela.
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A desconstrução da discriminação no livro didático
Na relação entre professor, conhecimento e aluno, existe a possibilidade
de apreensão da dissonância causada pelo estereótipo e de sua correção,
através de atividades crítico-criativas.
Temos a certeza de que os professores, devidamente orientados nessa
direção, caminharão no rumo certo do resgate da identidade, auto-estima,
cidadania e integração das diferenças.
Considerações finais
Acredito que é possível formar o professor de Ensino Fundamental, no
sentido de utilizar de forma crítica o livro didático, transformando esse
livro em um instrumento gerador de consciência crítica.A desconstrução da
ideologia que desumaniza e desqualifica pode contribuir para o processo de
reconstrução da identidade étnico/racial e auto-estima dos afro-descendentes, passo fundamental para a aquisição dos direitos de cidadania.
A desconstrução da ideologia abre a possibilidade do reconhecimento
e aceitação dos valores culturais próprios, bem como a sua aceitação por
indivíduos e grupos sociais pertencentes a outras raças/ etnias, facilitando
as trocas interculturais na escola e na sociedade.
Corrigir o estigma da desigualdade atribuído às diferenças constitui-se
em tarefa de todos e já são numerosos os que contribuem para atingir esse
objetivo.
A presença do Movimento Negro, nessa tarefa, recontando a história
do negro na África e no Brasil, desde a formação de grupos organizados
há séculos, reivindicando educação para os negros por meio de manifestos,
teatro, música e ação sistemática junto aos órgãos de ensino, não pode ser
esquecida.
A aproximação das escolas com o Movimento Negro, que já possui uma
larga experiência nesse trabalho de reconstrução e reposição do processo
histórico-cultural dos afro-descendentes na educação, possibilitou a inserção,
nos currículos de muitas escolas brasileiras, da tradição cultural e histórica
desse povo. E torna-se mais necessária agora, que o tema transversal Plural
idade Cultural é introduzido nos currículos para professores que, em sua
maioria, não receberam uma formação adequada para desenvolvê-lo.
Com a certeza de que, por sua importância, esse tema, bem como os demais temas transversais, tornar-se-ão constituintes dos currículos e possibilitarão em breve a participação de todos na tarefa de promover o amor a si e ao próximo, estamos dando e apontando os primeiros passos.
Como escreveu Steve Biko, “o primeiro passo é fazer com que o negro
se encontre a si mesmo, insuflar novamente a vida em sua casca vazia,
infundindo nele o orgulho e a dignidade”.
A desconstrução da discriminação no livro didático
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didático observamos ainda hoje, que a humanidade e cidadania, são
representadas pelo homem branco e de classe média. A mulher, o
negro, os povos indígenas, entre outros, são descritos pela cor da
pele ou pelo seu gênero, é necessário visibilidade para
registrar sua existência nos conteúdos contemplados. Os valores
desses povos e atributos históricos e culturais são por sua vez
reduzidos não sendo bem esclarecidos para que os alunos tenham
plena consciência da contribuição que esses povos representaram e
ainda representam a construção do nosso País.
Aos
professores é atribuída a ação de mudanças neste aspecto, e que
venha em suas praticas pedagógicas, desmistificar e contemplar as
diferenças culturais, fazendo com que na sua internalização do
conhecimento faça com que os alunos entendam as desigualdades e
diferenças culturais existentes ainda hoje enraizadas dos
indivíduos, trabalhando de maneira clara as contribuições que os
povos indígenas e Afros descendentes, deixando os estereótipos
negativos a esse respeito e construir no indivíduo pontos
positivos de referência nesse processo.
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