quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Contos Africanos - A donzela, o sapo e o filho do chefe


A donzela, o sapo e o filho do chefe
Maria Clara Cavalcanti de Albuquerque


Havia uma vez um chefe africano
que tinha duas mulheres e com cada uma
delas tinha uma filha.
Aconteceu que, um dia, a primeira
mulher morreu, e sua filha teve de ir morar
com a segunda mulher, que não gostava
nem um pouquinho dela e logo passou a
maltratá-la de todas as maneiras.
Era ela quem cuidava dos animais, tirava
água do poço, cortava lenha, e como se
tudo isso não bastasse, ainda tinha de moer
, e dar de comer a toda a
família. O pior, é que depois de todo o trabalho feito, a madrasta só permitia que ela
comesse as raspas queimadas que sobravam
no fundo da panela.
Sem nada poder fazer, a menina sentava-se perto de um poço e comia o que conse-guia. O resto, jogava para os sapos que
moravam dentro d’água. 
E assim aconteceu dia após dia, até que
ao lugar chegaram mensageiros de uma
aldeia vizinha, anunciando que haveria uma
grande festa no dia do Festival da Colheita.
Nesta tarde, quando ela foi para o poço
comer as raspas que a madrasta lhe dera,
ela encontrou um enorme sapo, que foi
logo dizendo:
– Donzela, amanhã é o dia do Festival.
Venha até aqui assim que o sol raiar e nós a
ajudaremos.
Na manhã seguinte, porém, quando ela
estava indo para o poço, a meia irmã lhe disse:
– Volte aqui, sua menina inútil! Você
não mexeu o tuwo, nem moeu o fura, nem
pegou água no poço, nem lenha na floresta.
Então ela voltou para fazer esses traba-lhos e o sapo passou o dia inteiro esperan-do por ela. 
Ao entardecer, assim que acabou todo o
serviço, ela correu para o poço e lá estava o
velho sapo, que foi logo dizendo:
– Tsc, tsc. Esperei por você desde de
manhã e você não veio.
– Velho amigo – respondeu a menina -eu sou uma escrava. Minha mãe morreu e
eu me mudei para a cabana da outra mulher
de meu pai. Ela me faz trabalhar sem parar
e só me dá restos de comida para comer.
O sapo, então, disse: 
– Menina, dê-me sua mão.
Ela estendeu-lhe a mão e pularam jun-tos para dentro d’água.
Aí, ele a levantou, engoliu-a e depois a
vomitou. 
– Boa gente – disse ele para os outros
sapos - Olhem e digam-me. Ela está reta ou
torta? 
Os sapos se entreolharam e responde-ram: “Ela está torta para a esquerda”.
Então ele novamente a levantou, engoliu-a, vomitou-a e novamente perguntou
aos outros sapos:
– Boa gente. Olhem e digam-me. Ela
está reta ou torta? 
– Ela está bem reta agora – coaxaram os
sapos.
Então ele vomitou roupas, pulseiras,
anéis e um par de sapatos, um de prata e
outro de ouro, e disse:
Tome. Vista-se e vá ao Festival. Mas
preste atenção. Quando a dança estiver
quase no fim e os dançarinos já estiverem
se dispersando, deixe seu sapato de ouro lá
e volte para casa.
A menina vestiu as lindas roupas, enfei-tou-se com as lindas jóias que o sapo lhe
dera e correu para o Festival.
Quando o filho do chefe a viu chegando,
disse:
– Aí está uma donzela para mim. Não
me interessa de que casa ela vem. Tragam-na aqui!
Então os servos levaram a menina até
onde ele estava e juntos eles passaram a
noite toda conversando. Mas quando os bai-larinos começaram a se dispersar, ela se
levantou e, antes que o filho do chefe
pudesse impedi-la, saiu correndo, deixando
o sapato de ouro para trás.
Na beira do poço, já esperando por ela,
estava o sapo. Mais do que depressa, eles
pularam dentro d’água, ele a engoliu e
vomitou-a: e lá estava ela, exatamente como
era antes, vestida com andrajos.
Enquanto isto, o filho do chefe dizia ao
pai:
– Pai, hoje conheci uma jovem que usava
um par de sapatos, um de ouro e outro de
prata. Aqui está o de ouro, ela o esqueceu
aqui. Ela é a menina com quem eu quero
me casar. Faça com que se reúnam todas as
jovens, moças ou velhas dessa aldeia e da
aldeia vizinha, para descobrir quem tem o
de prata.
O chefe na mesma hora ordenou que se
reunissem todas as donzelas e cada uma
experimentou o sapato, mas em nenhuma
ele serviu. Foi quando alguém disse:
– Espere um minuto! Ainda há aquela
moça órfã, que mora naquela casa.
Buscaram então a moça. Assim que o
filho do rei a viu, correu em direção a ela,
calçou o sapato de ouro em seu pé e levou-a com ele para sua cabana.
Assim que ela partiu, o sapo chamou
todos os outros sapos, tanto os grandes
quanto os pequenos, e lhes disse:
– Minha filha está se casando. Quero
que cada um de vocês dê a ela um presente.
E cada um deles vomitou coisas para ela:
cobertores coloridos, tapetes, esteiras, teci-dos, vasilhas, e o sapo velho, depois de
muito esforço, vomitou uma cama de prata,
uma cama de cobre e uma cama de ferro.
Na manhã seguinte, quando a menina
acordou, viu na soleira da porta o velho
amigo e os presentes. Ela ajoelhou-se res-peitosamente e ele lhe disse:
– Isto tudo é para você. Mas preste aten-ção. Quando seu coração estiver triste,
deite-se na cama de bronze. Quando seu
coração estiver tranqüilo, deite-se
na cama de prata e quando o filho
do chefe vier visitá-la, deite-se com
ele na cama de ouro. Quando as
outras mulheres de seu esposo vierem
cumprimentá-la, dê-lhes duas cabaças
de nozes e dez mil conchas de molusco
para comprarem flores de tabaco. Quando
as concubinas vierem pegar milho para
fazer o tuwo, deixem que se sirvam à vonta-de. Mas, se a mulher de seu pai
vier com sua filha e lhe per-guntar como é
viver na
cabana
do chefe, diga-lhe: “Viver na cabana do
chefe é muito difícil, porque eles medem o
milho com uma concha de Bambara4
”.
Um dia, a madrasta foi com a filha visitar a
menina e perguntou-lhe como era a sua vida.
Lembrando-se dos conselhos do sapo,
ela respondeu:
– Oh! É muito difícil. Eles usam uma
concha de Bambara para medir o milho.
Quando as outras mulheres do chefe vêm
me cumprimentar, eu respondo com um
”BAH!” de desprezo. Se as concubinas vêm
me cumprimentar, eu cuspo nelas. E quan-do meu marido chega na cabana, eu grito
com ele.
A madrasta, na mesma hora, colocou a
própria filha na cabana e obrigou a órfã a
voltar para casa com ela.
Na manhã seguinte quando as mulheres
vieram cumprimentá-la, a filha da madrasta
gritou-lhes: “BAH!”. Quando as concubinas
vieram visitá-la, ela cuspiu nelas. E quando
caiu a noite e o filho do chefe foi vê-la, ela
gritou com ele.
O filho do chefe achou aquilo muito
estranho.
Saiu da
cabana e
por dois dias
pensou no
assunto.
Depois,
reuniu suas
mulheres e concubi-nas e disse para elas:
– Olhem! Chamei vocês
para perguntar-lhes: Como minha nova
esposa trata vocês?
– Como nos trata?! exclamaram elas. -Cada manhã, quando íamos cumprimentá-la, ela nos dava duas cabaças de nozes e dez
mil cowries para comprar flores de tabaco.
Depois dava a cada uma de nós uma cabaça
de nozes, cinco mil cowries para comprar flo-res de tabaco, e um saco cheio de milho para
fazer tuwo. Agora ela grita “Bah!” e nos cospe.
– Vê - disse ele. Antes, quando ia vê-la,
eu sempre a encontrava ajoelhada e ela
se deitava comigo na cama de ouro, agora
ela grita comigo. Acho que trocaram a
menina.
O filho do chefe, então, chamou seus
guerreiros. Eles entraram na cabana da
moça e a cortaram em pedacinhos.
Depois, foram à casa da madrasta e lá
encontraram a pobre órfã deitada nas cin-zas da fogueira. Na mesma hora a levaram
de volta para o marido.
Na manhã seguinte, ela contou ao marido como o sapo a havia ajudado e pediu
que ele mandasse construir um poço próximo à sua cabana para que o velho sapo e
todos outros sapos, grandes ou pequenos,
passassem a morar ali. E assim foi.
Notas:
1
Tuwo – uma espécie de mingau.
2
Fura – uma espécie de mistura de cereais.
3
Conchas usadas como dinheiro em várias tribos
africanas.
4
Expressão que significa “como as pessoas aqui são
‘pão-duras’, há pouco para comer”.
Tradução e adaptação de MariaClara
Cavalcantide “The maiden, the frog & the
chief’s son”, de William Bascom, e que faz
parte do livro CINDERELLA, A Folklore
Casebook, de Alan Dundes Garland, da editora
Publishing, Inc. New York & London. 1982
p.148. Este conto foi publicado no “Journal of
the Folklore Institute”, em 1972


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