quinta-feira, 20 de setembro de 2012

As Populações Indígenas no Paraná

                         As populações indígenas no Paraná                                                                     
       Lucio Tadeu Mota2 (UEM) ltmota@uem.br
        Resumo
  Este artigo é uma síntese da ocupação do território paranaense pelas populações indígenas.
 Primeiro pelas populações de caçadores e coletores que aqui chegaram por volta de 8 000 anos antes do presente descendentes dos grupos de paleoíndios que humanizaram o continente americano provenientes do nordeste da Ásia. Depois pelas populações  indígenas históricas que aqui se encontravam pela ocasião da chegada dos europeus a partir de 1500, e que hoje habitam as dezessete Terras Indígenas no Paraná.
 Palavras-chave: Populações indígenas, História do Paraná, Relações Interculturais.
        1. As primeiras populações indígenas no Paraná: os caçadores e coletores pré-
            históricos
       O território hoje denominado Paraná foi continuamente habitado por diferentes populações humanas há cerca de 8.000 anos atrás, de acordo com os vestígios materiais mais anti-
gos encontrados pelos arqueólogos. Entretanto, se considerarmos a cronologia dos territórios
vizinhos que foram ocupados em épocas anteriores, é provável que ainda possam ser obtidas
datas que poderão atestar a presença humana em períodos mais recuados, podendo alcançar
até 11 ou 12.000 antes do presente.
       Muitas são as perguntas feitas sobre a presença desses caçadores coletores aqui no Sul do
Brasil e no Paraná. A primeira é: se o homem não surgiu na América, de onde ele veio? Grande parte
dos pesquisadores são unânimes em afirmar que a maioria dos grupos humanos que aqui chegaram
vieram pelo estreito de Bering, no extremo norte do continente americano. Existem outros que
afirmam que o continente também foi povoado por grupos humanos vindos das ilhas do Oceano
Pacifico, navegando do oeste para o leste, e desembarcando na costa oeste da América Central e
do Sul. E ainda existe quem afirme que também recebemos migrações de grupos humanos pelo
extremo sul do continente que chegaram na Terra do Fogo, vindos da Austrália e Nova Zelândia.
  Figura reproduzida do texto de: W. NEVES; et al. O povoamento da América à luz da morfologia
       craniana. Revista USP, N. 34, jun,jul.ago. 1997., p. 105.
       Legenda. maa: milhões de anos atrás
1. Uma primeira versão deste texto foi publicada em parceria com Francisco Silva Noelli no livro Maringá e Norte do Paraná: estudos de história regional. Maringá, organizado
   pelos professores José H. Rollo Gonçalves e Reginaldo Benedito Dias, publicado pela Eduem em 2000.
2. Professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Pós Doutor em Etno História Indígena pela Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ).
3. Consideramos, para fins didáticos: “populações pré-históricas”, são as anteriores à chegada dos europeus na região, isto é, meados do século XVI; “populações indígenas”,
   aquelas que entraram em contato com os europeus e vivem até o presente no Paraná, isto é, os Kaingang e os Guarani. Evidentemente, como veremos adiante em alguns
   casos, houve uma “continuidade” entre a pré-história e a história.
 A segunda pergunta é a que questiona qual foi a época da chegada dos primeiros humanos no continente americano. Nesse ponto, temos um debate intenso que está longe de terminar.
Existem autores que afirmam que os primeiros homens chegaram na América há mais de 300
mil anos antes do presente (AP). Mas, as datações mais aceitas pela comunidade cientifica, são
aquelas que giram em torno de 12.000 AP. A grande maioria dos pesquisadores aceita a pre-
sença do primeiro homem americano em torno de 11.000 a 12.000 AP, porque situa-se nesse
período as datações dos esqueletos humanos mais antigos encontrados no continente. Como
é o caso do crânio de uma mulher batizada de Luzia, encontrada em Minas Gerais, que data
de 11.500 AP.
      A seguir, vamos apontar sucintamente, as informações que consideramos mais importantes
de cada uma das populações que aqui viveram antes da chegada dos europeus e das populações
indígenas que aqui viviam e continuam a viver até os dias de hoje.
      1.1 Tradição Humaitá
      As populações que os arqueólogos convencionaram chamar de “Tradição Humaitá” não
deixaram, aparentemente, descendentes historicamente conhecidos. Por enquanto, é sabido
que ocuparam todos os Estados sul-brasileiros e as regiões vizinhas do Paraguai e Argentina
entre 8.000 e 2.000 anos atrás. Por meio do estudo dos seus vestígios, verificou-se que essas
populações possuíam as características das culturas do tipo bando, compostas de pequenos
grupos (40-60 pessoas) que viviam dentro de amplos territórios. Sua subsistência era baseada em
diversas fontes animais, obtidos através da caça, pesca e coleta, bem como de fontes vegetais.
A exemplo de outros povos caçador-coletores sul americanos, também deveriam ter uma série
de acampamentos sazonais espalhados dentro de um território definido. Esses acampamentos
estariam relacionados a uma série de atividades de subsistência, obtenção e preparação de
matérias-primas, rituais e lazer. Suas habitações poderiam ser desde uma simples meia-água até
casas mais elaboradas de madeira coberta por palha ou folhas de palmáceas. Eventualmente
poderiam ocupar abrigos-sob-rochas (reentrâncias em paredes rochosas).
      Seus vestígios mais estudados até o presente restringem-se aos instrumentos de pedra,
pois a maior parte de seus objetos eram provavelmente confeccionados com materiais perecí-
veis que se destruíram ao longo da formação dos sítios arqueológicos. Entre as ferramentas de
pedra podemos mencionar os grandes instrumentos lascados bifacialmente, lascas usadas para
raspar, rasgar, cortar, tornear, bem como ferramentas para polir, furar, amolar, macerar, moer,
pilar e ralar. Eles não elaboravam vasilhas cerâmicas.
      1.2 Tradição Umbu
      Também as populações que os arqueólogos chamam de “Tradição Umbu” não deixaram,
descendentes historicamente conhecidos. Os vestígios dessa tradição, marcadamente as pontas
de projéteis e resíduos de lascamento, são encontrados em toda a região Sul do Brasil, Uruguai
e partes do estado de São Paulo. Esses vestígios foram datados entre 12.000 e 1.000 antes do
presente, demonstrando a longa persistência dessa tradição nos mais variados ambientes da
região.
      Essas populações ocuparam preferencialmente as regiões de maior altitude nos planaltos do
Paraná, principalmente os interflúvios dos principais rios. Nesses locais, construíram suas habi-
tações tanto a céu aberto como nos abrigos sobre rochas, e no Rio Grande do Sul e Uruguai, nas
áreas alagadiças, construíram os cerritos – aterros artificiais – onde fixaram suas habitações.
      1.3 Tradição Sambaqui
      Os pescadores/coletores do litoral Sul do Brasil ocuparam uma vasta faixa entre o mar e a
Serra do Mar desde o Rio Grande do Sul até a Bahia desde 6.000 antes de Cristo até 1.000 depois
de Cristo. Seus principais vestígios são os inúmeros montes – conhecidos por Sambaquis – que
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construíram intencionalmente com restos alimentares, adornos, conchas, ferramentas, armas,
carvões de antigas fogueiras, vestígios de sepultamentos humanos e de antigas moradias.
      Construídos tanto em planícies, quanto em encostas, diretamente na areia ou sobre o em-
basamento rochoso, os Sambaquis têm ocorrências desde o Rio Grande do Sul até a Bahia de
Todos os Santos, basicamente no interior dos ambientes lagunares que se apresentam em todo
este trecho da faixa costeira. As baías, estuários e lagunas dessa porção do litoral apresentam,
normalmente, grandes concentrações desses sítios arqueológicos.
      A implantação dos Sambaquis nesses ambientes estuarinos não foi fortuita, ela se deu
devido à existência de várias espécies de peixes, moluscos, crustáceos e outros animais, com-
ponentes riquíssimos da dieta alimentar desses grupos humanos.
      2. As populações indígenas históricas
      2.1 A população Guarani
      Dentre os povos pré-históricos e indígenas que estamos tratando, os Guarani são os mais
conhecidos em termos arqueológicos, históricos, antropológicos e lingüísticos. A denominação
“Guarani” define ao mesmo tempo a população e o nome da língua por eles falada.
      Uma série de estudos comparados - arqueológicos e lingüísticos - realizados no leste da
América do Sul indica que eles vieram das bacias dos rios Madeira e Guaporé. A partir daí,
ocuparam continuamente diversos territórios ao longo das bacias dos rios Paraguai e Paraná até
alcançar Buenos Aires, distante aproximadamente 3.000 km do seu centro de origem. Também
expandiram-se para a margem esquerda do Pantanal, nos atuais estados de São Paulo, Paraná,
Santa Catarina, e Rio Grande do Sul, também ocuparam o Uruguai, Paraguai. Conforme as da-
tações já obtidas, excetuando o Uruguai, foz do Rio da Prata e litoral sul-brasileiro, as demais
regiões citadas foram ocupadas desde aproximadamente 3.000 anos atrás. Eles mantiveram
esses territórios até a chegada dos primeiros europeus que, a partir de 1528, registraram em
centenas de documentos os limites do vasto domínio Guarani.
      Os Guarani ocuparam os vales e as terras adjacentes de quase todos os grande rios e seus
afluentes. Quase nunca estabeleciam suas aldeias e roças em áreas campestres. Todos os sítios
arqueológicos localizados estão inseridos em áreas cobertas por florestas, seguindo o padrão
de estabelecer as aldeias e as plantações em clareiras dentro da mata.
      Como se pode constatar em vários estudos regionais, os Guarani possuíam um padrão para
ocupar novas áreas sem, no entanto, abandonar as antigas. Os grupos locais se dividiam com o
crescimento demográfico ou por problemas políticos, indo habitar áreas próximas, previamente
preparadas através de manejo agroflorestal. Isto é, abriam várias clareiras para instalar a aldeia
e as plantações, inserindo seus objetos e plantas nos novos territórios. Assim como trouxeram
suas casas, vasilhas cerâmicas e outros objetos, os Guarani também trouxeram de seus locais
de origem, diversas espécies de vegetais úteis para vários fins (alimentação, remédios, matérias-
primas etc.), contribuindo para o aumento da biodiversidade florística do Sul do Brasil.
      Desta maneira, iam ocupando as várzeas dos grandes rios e, consecutivamente, com o
passar do tempo, as áreas banhadas por rios cada vez menores. Por exemplo, após dominar
as terras próximas dos rios Ivaí, Pirapó e Tibagi, ocuparam trechos ao longo de alguns dos
ribeirões que banham o divisor de águas desses rios.
      As aldeias tinham tamanhos variados, podendo comportar mais de mil pessoas, organizadas
socialmente através de relações de parentesco e de aliança política. Essas famílias extensas viviam
em casas longas, e cada aldeia poderia ter até sete ou oito casas. As casas eram construídas de
madeira e folhas de palmáceas, podendo abrigar até 300 ou 400 pessoas e alcançar cerca de 30
 ou 40 metros de comprimento por até 7 ou 8 metros de altura. Algumas aldeias, dependendo
de sua localização, poderiam ser fortificadas, estando cercadas por uma paliçada.
        A cultura material era composta por centenas - talvez milhares - de objetos confeccionados
para servirem a diversos fins, sendo a maioria feita com materiais perecíveis (ossos, madeiras,
penas, palhas, fibras vegetais, conchas etc.) e, em minoria, de não perecíveis (vasilhas cerâmicas,
ferramentas de pedra, corantes minerais). Deste conjunto, normalmente, sobrevivem apenas as
vasilhas e as ferramentas de pedra e, eventualmente, esqueletos humanos e de animais diversos,
conchas e ossos usados como ferramentas ou enfeites. O reconhecimento da existência desses
objetos perecíveis, salvo condições raras de conservação, só é possível através de informações
obtidas indiretamente por pesquisas históricas, lingüísticas e antropológicas.
         2.2 A população Xetá
        Não houve ainda nenhuma pesquisa sobre os sítios arqueológicos Xetá, excetuando um
pequeno estudo sobre a tecnologia lítica (Laming-Emperaire et al., 1978) e outro sobre a cultura material (Kozák et al., 1981).
        Os Xetá, que falavam uma língua homônima, foram contatados esporadicamente desde a
década de 1840 quando Joaquim Francisco Lopes e John H. Elliot - empregados do Barão de
Antonina - fizeram contato com eles nas imediações da foz do rio Corumbatai, no Ivaí, onde
estão hoje os municípios São Pedro do Ivaí, Fênix e São João do Ivaí. Posteriormente, em 1872,
o engenheiro inglês Thomas Bigg-Whiter capturou um pequeno grupo nas proximidades do
Salto Ariranha, no rio Ivaí, hoje Ivaiporã e Grandes Rios. Mais tarde, outros contatos foram
noticiados, mas foi na Serra dos Dourados, próxima de Umuarama, entre 1955-56, que se deu o
mais documentado encontro com um grupo de 18 pessoas (Kozák et al., 1981). A partir daqueles anos os Xetá desapareceram enquanto população, hoje seus remanescentes casados com Guarani,
Kaingang e mesmo brancos, estão espalhados pelo Paraná, com algumas famílias vivendo em
Terras Indígenas e outras em pequenas cidades do interior do estado.
         2.3 A população Kaingang
        A denominação “Kaingang” define genericamente e ao mesmo tempo a população e o
nome da língua por eles falada. Na bibliografia arqueológica, eles são conhecidos como “Tra-
dição Casa de Pedra”. Embora exista uma volumosa bibliografia e inumeráveis conjuntos de
documentos não publicados sobre os Kaingang, ainda se conhece pouco sobre os seus ascen-
dentes pré-históricos.
        Os resultados de estudos comparados - Arqueologia e Lingüística - apontam o Brasil central
como a região de origem dos Kaingang, que ocuparam imensas áreas dos Estados da Região
Sul, parte meridional de São Paulo e o leste da Província de Missiones. Embora não existam
ainda datas mais antigas que as dos Guarani, é provável que os Kaingang e os Xokleng tenham
chegado primeiro ao Paraná, pois em quase todo o Estado, os sítios Guarani estão próximos
ou sobre os sítios arqueológicos dos Kaingang e Xokleng. Com a chegada dos Guarani e, na
medida em que estes iam conquistando os vales dos rios, os Kaingang foram empurrados para
o centro-sul do Estado e/ou sendo confinados nos territórios inter-fluviais, e os Xokleng foram
impelidos para os contra-fortes da Serra Geral, próximos do litoral. A partir do final do século
XVII, quando as populações Guarani tiveram uma drástica redução, os Kaingang voltaram a se
expandir por todo o centro do Paraná. Em meados do século XVIII, com as primeiras expedi-
ções coloniais nos territórios hoje denominados Paraná, foi possível conhecer parcialmente a
toponímia empregada pelos Kaingang para nominar seus territórios: Koran-bang-rê (campos de
 (Campo Erê - sudoeste); Payquerê Guarapuava); Kreie-bang-rê (campos de Palmas);
(campos entre os rios Ivaí e Piquiri, hoje nos município de Campo Mourão, Mamborê, Ubiratã
e outros adjacentes); Minkriniarê (campos de Chagu, oeste de Guarapuava, no município de

Laranjeiras do Sul); campos do Inhoó (em São Jerônimo da Serra). E, quando da ocupação da
região norte e oeste do Paraná, nos anos 30 a 50 desse século, os Kaingang já estavam aldeados
em São Jerônimo da Serra e Apucaraninha, mas circulavam pelas matas existentes caçando,
coletando e pescando nos rios Tibagí, Pirapó, Ivaí, Piquiri e seus afluentes.
      A sua cultura material também era composta predominantemente por objetos perecíveis
e, se compararmos aos Guarani, houve bem menos estudos e poucas coisas são conhecidas. O
mesmo ocorre com a cerâmica, porém, os primeiros estudos já mostram que ela era utilizada
basicamente para preparar alimentos. Suas ferramentas de pedra tinham funções similares às
dos Guarani.
      2.4 A população Xokleng
      A denominação “Xokleng” define genericamente e, ao mesmo tempo, a população e o
nome da língua por eles falada. Na bibliografia arqueológica, eles são conhecidos como “Tra-
dição Itararé”. Apesar da volumosa bibliografia e inumeráveis conjuntos de documentos não
publicados a seu respeito, ainda se conhece pouco sobre os seus ascendentes pré-históricos.
Sua chegada e presença no Paraná já foi resumida no item sobre os Kaingang, necessitando
ainda de mais pesquisas para corroborar ou desabonar as conclusões e hipóteses vigentes. Suas
aldeias eram geralmente pequenas, no interior das florestas, abrigando habitantes pouco nu-
merosos. Também ocupavam abrigos sob rocha e casas semi-subterrâneas. Fabricavam vasilhas
cerâmicas semelhantes às feitas pelos Kaingang, a tal ponto que, devido às pesquisas pouco
sistemáticas realizadas até o presente, ainda é problemático definir claramente as diferenças.
Sua funcionalidade também estaria relacionada ao preparo dos alimentos.

                                                            
                                                    
                                                            

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