segunda-feira, 3 de setembro de 2012

OLHOS AZUIS - Documentário sobre preconceito




EDUCAÇÃO E RELAÇÕES RACIAIS:
REFLETINDO SOBRE ALGUMAS ESTRATÉGIAS DE ATUAÇÃO
Nilma Lino Gomes
Professora Assistente do Departamento de Administração Escolar 
da Faculdade de Educação da UFMG.
Doutoranda em Antropologia Social/USP
Gostaria de iniciar esse artigo relembrando um documentário muito 
interessante intitulado  Olhos Azuis1
, que vale a pena ser visto. Esse 
documento relata a experiência da sra. Jane Eliot, professora e psicóloga 
branca nos EUA, que organiza e desenvolve um workshop com pessoas 
de diferentes grupos étnico/raciais para discutir sobre o racismo e seus 
desdobramentos.
Mas por que uma mulher branca nos EUA, poderia se interessar em 
desenvolver um trabalho como esse? De acordo com o documentário,
tudo começou quando essa professora ainda lecionava 
para crianças numa cidade do interior. Um dia, ela se viu 
questionada pelos alunos sobre os motivos que levaram 
ao assassinato do líder negro Martin Luther King, em 
1968, nos EUA. A partir dessa curiosidade das crianças 
a professora se viu diante de um desafio: como explicar 
uma questão tão complexa para seus alunos? Que recursos 
ela poderia usar para tornar o assunto compreensível 
para aquelas crianças? Ela se deu conta de que não havia 
recursos didáticos para explicar aos alunos o que era 
realmente o racismo. Assim, a professora concluiu que 
só se as pessoas pudessem se colocar no lugar daqueles 
que eram discriminados racialmente, é que elas poderiam 
compreender o que era o racismo. Então, ela teve uma 
idéia: realizou com os seus alunos uma dinâmica de 
grupo em que, durante um dia letivo inteiro, as crianças 
que tivessem olhos azuis, passariam por uma situação 
de discriminação. Elas deveriam ser rejeitadas pelas 
outras devido à cor dos seus olhos. Ter olhos azuis seria, 
a partir daquele momento, um atributo merecedor de 
desprezo. A escolha da cor dos olhos, uma característica 
do fenótipo (assim como a cor da pele), foi a forma mais 
próxima de fazer as crianças se aproximarem do drama 
dos negros que sofrem a discriminação racial devido a 
fatores históricos, culturais e também raciais. Nesse caso, 
a cor da pele, o tipo de cabelo, o formato dos lábios, entre 
outras características que remetem à herança africana, 
são vistos pelo racista como marca de inferioridade. A 
dinâmica foi explicada e negociada previamente com 
as crianças, que aceitaram a proposta. Então, durante 
esse dia, as crianças de olhos azuis foram rejeitadas por 
seus colegas que não conversavam direito com elas, não 
as respeitavam, não bebiam no mesmo bebedouro, em 
suma, as discriminavam. A professora acompanhou toda 
a experiência e fotografou as crianças antes e depois do 
trabalho. Ao terminar a aula, a classe inteira se reuniu 
para discutir sobre o que havia acontecido. Os alunos e 
as alunas falaram sobre o que sentiram, principalmente, 
os de olhos azuis. Os sentimentos giravam em tomo de 
sensações como: impotência, raiva, vontade de vingança, 
tristeza, ressentimento, inferioridade e incapacidade. 
A professora discutiu com a turma sobre o que eles 
tinham achado do comportamento adotado pelos 
alunos que não tinham olhos azuis. Ele fazia sentido? 
Unanimemente, a classe disse que não. Concluíram, 
a partir daquela experiência, que não se deve julgar e 
maltratar as pessoas simplesmente porque nasceram com 
a cor dos olhos diferente umas das outras. A cor dos 
olhos em nada interfere no caráter, na personalidade e 
na capacidade das pessoas e nem deveria ser um critério 
para que alguns grupos humanos fossem tratados de 
maneira desigual em relação aos outros. Após uma longa 
conversa com os alunos, analisando cada fato acontecido 
durante aquele dia letivo, a professora pôde relacionar a 
dinâmica realizada com a questão racial. Explicou para 
a classe o sistema escravista, o racismo e a situação dos 
negros norte-americanos. Explicou, também, a atuação 
de Martin Luther King na luta pelos direitos civis, pela 
superação do racismo e o tanto que ele e outros ativistas 
negros incomodavam a ordem racista que imperava na 
Educação e relações raciais: refletindo sobre algumas estratégias de atuação
sociedade norte-americana da época. Assim, ela também 
pôde explicar por que esse grande líder negro havia sido 
assassinado.
Diferentemente do que se possa pensar, a ousadia e a coragem da 
professora não lhe renderam louvores e reconhecimento por parte da escola 
e da comunidade. Logo que souberam do acontecido, os pais se voltaram 
contra a educadora e retiraram as crianças da sala dela, pois não queriam os 
filhos estudando com uma “amiga de negros”. A represália ainda foi maior. 
A comunidade desprezou os filhos dessa mulher, boicotou o restaurante da 
sua família, a ponto de o estabelecimento ir à falência, fora outros tipos de 
insultos. Tudo isso, ao invés de desanimar a referida professora só serviu 
para estimulá-la ainda mais na luta contra a ignorância e a hostilidade do 
racismo, pois ela não queria, enquanto educadora, continuar contribuindo 
para a formação de pessoas racistas. Assim, ela se enfronhou nas leituras 
sobre as mais diferentes formas de racismo que existem no mundo, desde o 
nazismo, o fascismo, o Apartheid, até os de tipo mais sutil. No decorrer dos 
anos, a sua dinâmica foi se aperfeiçoando e, hoje, uma de suas atividades 
profissionais tem sido a realização de workshop e dinâmicas de grupo que 
possibilitem às pessoas vivenciar “na pele” o que é o racismo. É muito 
interessante assistir ao documentário e à realização do workshop. Os 
depoimentos dos negros, dos latinos e dos brancos que dele participam 
são muito impressionantes. É muito interessante, também, ver as fotos das 
crianças com as quais essa experiência se iniciou e ouvi-las hoje, depois 
de adultas. Nos seus depoimentos, os ex-alunos, agora adultos, falam da 
importância dessa experiência na sua vida e que a partir de então, eles se 
construíram como pessoas que tentam desenvolver uma relação de respeito 
com os negros e os outros segmentos discriminados.
Não quero estimular ninguém a desenvolver esse projeto sem o mínimo 
de preparo, discernimento e entendimento sobre o tema. Todavia, quando 
assisti ao filme, refleti sobre o quanto a discussão sobre a questão racial 
está ligada a um terreno delicado: as nossas representações e os nossos 
valores sobre o negro. O trabalho da professora norte-americana consiste 
em colocar as pessoas que se inscrevem no seu workshop diante dos seus 
próprios valores raciais, levando-as a questioná-los, a partir do momento em 
que se encontram numa situação de discriminação semelhante àquela vivida 
pelo outro, pelo diferente. Essas pessoas, por algumas horas, são obrigadas 
a saírem do seu lugar, do seguro lugar ocupado pelo “nós” para estarem 
no lugar do “outro”. E isso é muito complexo. Mexe com o que há de 
mais íntimo nas pessoas e as questiona sobre o verdadeiro sentido dos seus 
valores, dos seus julgamentos, dos seus preconceitos.
Penso que esse documentário deveria ser assistido pelos(as) professores(as). 
Apesar de se referir à realidade dos EUA, ele toca em questões ligadas aos 
preconceitos, às representações sobre o negro e às identidades, temáticas 
que a escola, hoje, está cada vez mais desafiada a enfrentar e a tratar 
pedagogicamente.
Dessa forma, o documentário serve para aguçar as nossas reflexões 
sobre a realidade racial dos negros no Brasil. Ele também pode nos ajudar 
a pensar o tratamento que a escola tem dado a essa questão. Como será que 
nós, professores e professoras, temos trabalhado com a questão racial na 
escola? Que atitudes tomamos frente às situações de discriminação racial no 
interior da escola e da sala de aula? Até quando esperaremos uma situação 
drástica de conflito racial ou enfrentamento para respondermos a essas 
perguntas? Por que será que a questão racial ainda encontra tanta dificuldade 
para entrar na escola e na formação do professorado brasileiro?
Ainda encontramos muitos(as) educadores(as) que pensam que discutir 
sobre relações raciais não é tarefa da educação. É um dever dos militantes 
políticos, dos sociólogos e antropólogos. Tal argumento demonstra uma 
total incompreensão sobre a formação histórica e cultural da sociedade 
brasileira. E, ainda mais, essa afirmação traz de maneira implícita a idéia de 
que não é da competência da escola discutir sobre temáticas que fazem parte 
do nosso complexo processo de formação humana. Demonstra, também, a 
crença de que a função da escola está reduzida à transmissão dos conteúdos 
historicamente acumulados, como se estes pudessem ser trabalhados de 
maneira desvinculada da realidade social brasileira.
Não há como negar que a educação é um processo amplo e complexo 
de construção de saberes culturais e sociais que fazem parte do acontecer 
humano. Porém, não é contraditório que tantos educadores concordem 
com essa afirmação e, ao mesmo tempo, neguem o papel da escola no trato 
Educação e relações raciais: refletindo sobre algumas estratégias de atuação
com a diversidade étnico-racial? Como podemos pensar a escola brasileira, 
principalmente a pública, descolada das relações raciais que fazem parte da 
construção histórica, cultural e social desse país? E como podemos pensar 
as relações raciais fora do conjunto das relações sociais?
Para que a escola consiga avançar na relação entre saberes escolares/
realidade social/diversidade étnico-cultural é preciso que os(as) educadores(as) 
compreendam que o processo educacional também é formado por dimensões 
como a ética, as diferentes identidades, a diversidade, a sexualidade, a 
cultura, as relações raciais, entre outras. E trabalhar com essas dimensões 
não significa transformá-las em conteúdos escolares ou temas transversais, 
mas ter a sensibilidade para perceber como esses processos constituintes da 
nossa formação humana se manifestam na nossa vida e no próprio cotidiano 
escolar. Dessa maneira, poderemos construir coletivamente novas formas de 
convivência e de respeito entre professores, alunos e comunidade. É preciso 
que a escola se conscientize cada vez mais de que ela existe para atender a 
sociedade na qual está inserida e não aos órgãos governamentais ou aos 
desejos dos educadores.
Contudo, não podemos generalizar e dizer que todos(as) os(as) 
educadores(as) sofrem de apatia e passividade. Durante as palestras e debates 
de que tenho participado nos últimos anos, tenho notado que, aos poucos, 
vem crescendo o número de educadores(as) que desejam dar um tratamento 
pedagógico à questão racial. Esse movimento tem impulsionado a escola 
brasileira a pensar sobre a necessidade de se criar estratégias de combate ao 
racismo na escola e de valorização da população negra na educação.
Porém, antes de pensarmos em quais estratégias poderemos adotar, é 
importante que estejamos atentos ao seguinte ponto: se todos nós estamos 
de acordo com a necessidade de se desenvolver estratégias de combate ao 
racismo na escola (que é o objetivo desse livro), concordamos com o fato 
de que o racismo existe na sociedade brasileira. E mais, concordamos que 
racismo está presente na escola brasileira. Esse é um ponto importante porque 
rompe com a hipocrisia da nossa sociedade diante da situação da população 
negra e mestiça desse país e exige um posicionamento dos(as) educadores(as). 
Essa constatação também contribui para desmascarar a 1mbigüidade do 
racismo brasileiro que se manifesta através do histórico movimento de 
afirmação/negação. No Brasil, o racismo ainda é insistentemente negado 
no discurso do brasileiro, mas se mantém presente nos sistemas de valores 
que regem o comportamento da nossa sociedade, expressando-se através das 
mais diversas práticas sociais.2
E a escola? Ela manifesta essa ambigüidade? Sim, essa ambigüidade 
também pode ser vista no discurso e na prática dos(as) professores(as). É 
preciso enfrentar essa questão. Como nos diz PEREIRA (1996)
 ignorar essa 
ambigüidade não nos levará a lugar algum. É preciso combatê-la.
Uma melhor compreensão sobre o que é o racismo e seus desdobramentos 
poderia ser um dos caminhos para se pensar estratégias de combate ao racismo 
na educação
4
. Muitos professores ainda pensam que o racismo se restringe à 
realidade dos EUA, ao nazismo de Hitler e ao extinto regime do Apartheid 
na África do Sul. Esse tipo de argumento é muito usado para explicar a 
suposta inexistência do racismo no Brasil e ajuda a reforçar a ambigüidade 
do racismo brasileiro. Além de demonstrar um profundo desconhecimento 
histórico e conceptual sobre a questão, esse argumento nos revela os efeitos 
do mito da democracia racial na sociedade brasileira, esse tão falado mito 
que nos leva a pensar que vivemos em um paraíso racial.
O entendimento conceptual sobre o que é racismo, discriminação racial 
e preconceito, poderia ajudar os(as) educadores(as) a compreenderem a 
especificidade do racismo brasileiro e auxiliá-los a identificar o que é uma 
prática racista e quando esta acontece no interior da escola. Essa é uma 
discussão que deveria fazer parte do processo de formação dos professores. 
Essa idéia está muito bem trabalhada num artigo escrito pelo professor João Baptista Borges Pereira. 
Seria muito bom consultar: PEREIRA, João Baptista Borges. “Racismo à Brasileira”. In: MUNANGA, 
Kabengele (org.). Estratégias políticas de combate ao racismo. São Paulo: EDUSP, 1996, p.75-78. 
Sobre essa questão pode-se sugerir algumas obras como: BENTO, Maria Aparecida 
Silva. Cidadania em preto e branco: discutindo as relações raciais. São Paulo: Ática, 1998; 
GOMES, Nilma Lino. A mulher negra que vi de perto. Belo Horizonte: Mazza Edições, 
1995; GONÇALVES, Luiz A. Oliveira e GONÇALVES e SILVA, Petronilha Beatriz. Jogo 
das diferenças: o multiculturalismo e seus contextos. Belo Horizonte: Autêntica, 1998; 
MUNANGA, Kabengele (Org.) Estratégias políticas
de combate ao racismo. São Paulo: EDUSP, 1996; QUEIROZ, Renato da Silva. Não vi e não gostei: 
o fenômeno do preconceito, São Paulo: Moderna, 1996.
Educação e relações raciais: refletindo sobre algumas estratégias de atuação
Porém, é necessário que, na educação, a discussão teórica e conceptual sobre 
a questão racial esteja acompanhada da adoção de práticas concretas. Julgo 
que seria interessante se pudéssemos construir experiências de formação 
em que os professores pudessem vivenciar, analisar e propor estratégias de 
intervenção que tenham a valorização da cultura negra e a eliminação de 
práticas racistas como foco principal. Dessa forma, o entendimento dos 
conceitos estaria associado às experiências concretas, possibilitando uma 
mudança de valores. Por isso, o contato com a comunidade negra, com os 
grupos culturais e religiosos que estão ao nosso redor é importante, pois 
uma coisa é dizer, de longe, que se respeita o outro, e outra coisa é mostrar 
esse respeito na convivência humana, é estar cara a cara com os limites que 
o outro me impõe, é saber relacionar, negociar, resolver conflitos, mudar 
valores.
E é justamente o campo dos valores que apresenta uma maior 
complexidade, quando pensamos em estratégias de combate ao racismo e 
de valorização da população negra na escola brasileira. Tocar no campo dos 
valores, das identidades, mexe com questões delicadas e subjetivas e nos leva 
a refletir sobre diversos temas presentes no campo educacional. Um deles se 
refere à autonomia do professor.
Mas qual é a relação entre autonomia do professor e a questão racial? 
Para responder a essa pergunta, gostaria que refletíssemos sobre quais são as 
interpretações do professorado sobre a autonomia em sala de aula. Já ouvi 
muitos(as) educadores(as) dizerem que a autonomia do docente significa a 
liberdade de escolha para adotar uma determinada metodologia, discutir 
ou não certas temáticas, usar da sua autoridade para com o aluno, discutir 
política partidária no interior da escola, entre outros. Todos nós sabemos 
que a autonomia não se reduz a isso. Porém, ao tratar da temática racial, 
alguns docentes usam de uma compreensão deturpada de autonomia para 
reproduzir e produzir práticas racistas.
Ao entrar nesse debate, estamos questionando a nossa atuação profissional 
e a nossa postura ética diante da diversidade étnico-cultural e das suas 
diferentes manifestações no interior da escola. Que tipo de profissionais 
temos sido? A educação carece de princípios éticos que orientem a prática 
pedagógica e a sua relação com a questão racial na escola e na sala de aula. 
Isso não significa desrespeitar a autonomia do professor, mas entendê-la e, 
muitas vezes, questioná-la. Significa perguntar até que ponto, em nome de 
uma suposta autonomia, uma professora pode colocar uma criança negra 
para dançar com um pau de vassoura durante uma festa junina porque 
nenhum coleguinha queria dançar com um “negrinho”.
“autonomia” do professor representa, também, denunciar práticas em que 
o (a) professor(a) estabelece que o castigo para os alunos “desobedientes” 
será sentar ao lado do aluno negro da sala. Representa abrir um processo 
jurídico contra uma professora que, devido a um desentendimento político 
com uma colega, se julga no direito de entrar em sua sala de aula e xingá-la 
e “negra suja”. A escola deve, por um acaso, em nome da “autonomia” de 
cada docente, permitir e ser conivente com o (a) professor(a) que permite 
que as meninas brancas chamem a colega negra de “negra do cabelo duro” 
ou “cabelo de bombril”? Questiono, então: que autonomia é essa? Respondo: 
autonomia não significa ser livre para fazer o que eu quero. É preciso que as 
práticas pedagógicas sejam orientadas por princípios éticos que norteiem as 
relações estabelecidas entre professores, pais e alunos no interior das escolas 
brasileiras. E é necessário inserir a discussão sobre o tratamento que a escola 
tem dado às relações raciais no interior desse debate.
Refletir sobre os valores que estão por detrás de práticas como as que 
citamos anteriormente nos leva a pensar que não basta apenas lermos o 
documento de “Plural idade Cultural”, ou analisarmos o material didático, ou 
discutirmos sobre as questões curriculares presentes na escola se não tocarmos 
de maneira séria no campo dos valores, das representações sobre o negro, 
que professores(as) e alunos(as) negros, mestiços e brancos possuem. Esses 
valores nunca estão sozinhos. Eles, na maioria das vezes, são acompanhados 
de práticas que precisam ser revistas para construirmos princípios éticos e 
realizarmos um trabalho sério e competente com a diversidade étnico-racial 
na escola. É preciso abrir esse debate e tocar com força nessa questão tão 
delicada. Caso contrário, continuaremos acreditando que a implementação 
As situações apresentadas nesse artigo são verídicas, ocorrendo no interior de escolas 
públicas municipais e estaduais de Belo Horizonte. Por uma questão de ética, não 
mencionarei o nome das instituições onde ocorreram as práticas discriminatórias aqui 
descritas.
Educação e relações raciais: refletindo sobre algumas estratégias de atuação
de práticas anti-racistas no interior da escola só dependerá do maior acesso 
à informação ou do processo ideológico de politização das consciências 
dos docentes. Reafirmo que é preciso construir novas práticas. Julgo ser 
necessário que os(as) educadores(as) se coloquem na fronteira desse debate 
e que a cobrança de novas posturas diante da questão racial passe a ser uma 
realidade, não só dos movimentos negros, mas também dos educadores, 
dos sindicatos e dos centros de formação de professores. Quem sabe 
assim poderemos partir para iniciativas concretas, desenvolvendo projetos 
pedagógicos juntamente com a comunidade negra, com as ONG’s e com 
os movimentos sociais. Assim, poderemos realizar discussões na escola que 
trabalhem temas como: a influência da mídia, a religião, a cultura, a estética, 
a corporeidade, a música, a arte, os movimentos culturais, na perspectiva 
afro-brasileira. Essas e outras temáticas podem e devem ser realizadas ao 
longo do processo escolar e não somente nas datas comemorativas, na 
semana do folclore ou durante a semana da cultura.
Uma estratégia interessante e que poderá nos ajudar na mudança 
de valores e práticas é conhecer outras experiências de intervenção bem 
sucedidas no trato da questão racial. Posso citar, nas poucas páginas desse 
artigo, a experiência do Núcleo de Estudos Negros – NEN, de Florianópolis. 
Além de publicações e de folhetos informativos, esse grupo tem produzido 
vídeos, participado e promovido debates com a presença de especialistas 
na área, orientado projetos nas escolas, etc. A série “Pensamento Negro 
em Educação” é uma publicação desse grupo quee deveria fazer parte da 
biblioteca de todo(a) professor(a)
O Projeto de Extensão Pedagógica do Ilê Aiyê7
em Salvador é também uma 
experiência que deve ser conhecida e que trabalha na fronteira da mudança de 
valores e instauração de novas práticas. Esse projeto tem realizado trabalhos 
Para melhor conhecer o trabalho do NEN: Núcleo de Estudos Negros - Rua Joana de 
Gusmão, sala 303, CEP 88.010-420 - Centro - Florianópolis - SC - Tel: (048)224
0769, e-mail: nen@ced.ufsc.br.
Associação Cultural Ilê Aiyê surgiu há 22 anos a partir do bloco carnavalesco Ilê Aiyê. 
O endereço para contato é: Rua do Curuzu, 233 - Liberdade - CEP.: 40.365-000 - Salvador 
-Bahia - Telefax: (071)241-4969.
em parceria com escolas públicas, capacitando professores(as) e envolvendo 
os alunos em projetos pedagógicos e oficinas, cuja temática racial é o objetivo 
principal. Além desse projeto, o Ilê Aiyê mantém, desde 1988, a escola 
comunitária de ensino fundamental Mãe Hilda, no bairro da Liberdade, cujo 
projeto pedagógico tem como base a cultura e a história do povo negro no 
Brasil. O Ilê ainda mantém uma escola de percussão, a Banda Erê, formada 
por crianças da comunidade e por meninos de rua. Para quem quiser 
acompanhar todos esses trabalhos, a Associação Cultural Ilê Aiyê publica 
o Caderno de Educação do Ilê Aiyê, um material que pode ser adquirido e 
utilizado pelas escolas e pelos centros de formação de professores.
As duas experiências acima citadas exemplificam práticas que têm sido 
desenvolvidas no Brasil e que têm como enfoque o trabalho com educação 
e relações raciais. Infelizmente, esses e outros trabalhos importantes ainda 
não são conhecidos pelos educadores. Conhecê-los, visitá-los, solicitar 
assessoria e adquirir o material, poderá ser uma importante estratégia a ser 
desenvolvida pelas escolas. Assim, quem sabe, os professores deixarão de 
perguntar o quê e como fazer, para se relacionarem com quem já tem feito 
há muito tempo. 
Não dá mais para dizer que as experiências não existem. Será que temos tido 
oportunidade e/ou boa vontade de conhecê-las? Será que os órgãos oficiais, 
os centros de formação de professores, as propostas inovadoras de educação, 
têm tido o interesse de mapeá-las e divulgá-las? Pensar na inserção política e 
pedagógica da questão racial nas escolas significa muito mais do que ler livros 
e manuais informativos. Representa alterar os valores, a dinâmica, a lógica, 
o tempo, o espaço, o ritmo e a estrutura das escolas. Significa dar subsídios 
aos professores, colocá-los em contato com as discussões mais recentes sobre 
os processos educativos, culturais, políticos. Mas, para que isso aconteça, não 
basta somente desejarmos ardentemente ou reclamarmos cotidianamente de 
que nenhuma iniciativa tem sido tomada. A escola e os educadores têm 
que se mobilizar. Nós, os(as) professores(as), somos conhecidos como uma 
categoria de lutas e de conquistas. Se reconhecemos que o trato pedagógico 
da diversidade é um direito de do cidadão pertencente a qualquer grupo 
étnico-racial e um interesse dos educadores, que têm compromisso com a 
extensão da cidadania e democracia, pergunto: que movimento temos feito 
em direção a um trabalho pedagógico com a questão racial? Para se realizar 
Educação e relações raciais: refletindo sobre algumas estratégias de atuação
mudanças é preciso que haja movimento. E movimento não combina com 
ações isoladas. É preciso que nos organizemos enquanto grupo.
Uma outra proposta de trabalho com a diversidade étnico-racial e que 
pode ser considerada como uma estratégia de combate ao racismo no interior 
da escola refere-se à organização de trabalhos conjuntos entre diferentes 
instituições escolares. Para isso, é necessário realizar um mapeamento das 
escolas que estejam realizando trabalhos interessantes com a questão racial. 
Esse mapeamento pode ser desenvolvido pela universidade (um projeto de 
extensão), pelos centros de formação de professores ou por equipes técnicas 
da secretaria de educação e divulgado para as escolas. Após esse mapeamento, 
pode-se promover encontros e trocas de experiências entre os docentes. 
Para tal, é preciso flexibilizar os tempos escolares (que já está proposto na 
LDB) e pensar em momentos de participação da comunidade junto com 
os professores e alunos. Essa mesma estratégia pode ser realizada, numa 
escala menor, no interior da própria escola. Quantas vezes temos vontade 
de conhecer um trabalho interessante de uma colega ou de um grupo de 
colegas e somos barrados pela rigidez do tempo escolar!
E, por último, penso que todo(a) educador(a), ao trabalhar com a questão 
racial, deveria tomar conhecimento das lutas, demandas e conquistas do 
Movimento Negro. Não podemos nos esquecer de que a inclusão da temática 
racional na escola brasileira e o reconhecimento a sua inclusão no currículo 
deve muito à atuação desse movimento.
Um primeiro passo para um trabalho envolvendo o Movimento Negro 
poderia ser um mapeamento das entidades políticas e culturais que trabalham 
com a questão racial. Onde se localizam? O que elas fazem? Quem delas 
participa? Existe alguma organização desse tipo próximo da escola onde atuo? 
Há quanto tempo ela existe? Os pais e alunos da comunidade participam 
de alguma entidade política e cultural que luta contra o racismo e preserva 
a cultural afro-brasileira? Esse pequeno levantamento poderá levar muitas 
escolas a descobrirem entidades políticas negras e/ou grupos culturais negros 
na sua própria região, possibilitando um trabalho integrado entre a escola 
e a comunidade. Sem dúvida, essa iniciativa será a efetivação de um dos 
objetivos do projeto político-pedagógico da escola. É bom lembrar que essa 
atitude certamente trará um estranhamento para ambas as partes e exigirá 
disposição, capacidade de negociação, maturidade, mudança de valores e 
um outro entendimento da relação entre os saberes escolares e os saberes 
culturais.
Todos nós estamos desafiados a pensar diferentes maneiras de trabalhar 
com a questão racial na escola. Será que estamos dispostos? Podemos, 
enquanto educadores(as) comprometidos(as) com a democracia e com a luta 
pela garantia dos direitos sociais, recusar essa tarefa? A nossa meta final como 
educadores(as) deve ser a igualdade dos direitos sociais a todos os cidadãos 
e cidadãs. Não faz sentido que a escola, uma instituição que trabalha com 
os delicados processos da formação humana, dentre os quais se insere a 
diversidade étnico-racial, continue dando uma ênfase desproporcional à 
aquisição dos saberes e conteúdos escolares e se esquecendo de que o humano 
não se constitui apenas de intelecto, mas também de diferenças, identidades, 
emoções, representações, valores, títulos... Dessa forma, entendo o processo 
educacional de uma maneira mais ampla e profunda. Poderemos avançar 
no nosso papel como educadores/as e realizar um trabalho competente em 
relação à diversidade étnico-racial 

Maria José Lopes da Silva
de um Racismo Mascarado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
SANTOS, Juana E.; DEOSCÓREDES, M. dos Santos. Religión y Cultura 
Negra. In: Africa en America Latina. México: Siglo XXI/UNESCO, 1977.
SILVA, Maria José Lopes da, et alii. Pedagogia Multirracial. Inédito. Proposta 
Curricular. Rio de Janeiro, 1989.
________.Racismo, Educação e Ideologia (v. 2). In: NASCIMENTO, Elisa 
Larkin (org.).Sankofa resgate da cultura afro-brasileira. Rio de Janeiro: 
SEAFRO, 1994.
________.Um Aspecto da Função Ideológica da Escola: O Currículo 
Oculto. Rio de Janeiro: Boletim Técnico do SENAC, v. I. 22, n. 2, maio/
agosto, 1996. 
SODRÉ, Muniz. A Verdade Seduzida. Rio de Janeiro: Codecri, 1977. 
TRAORÉ, B. Théâtre Négro-Africain. Paris: Présence Africaine, 1958.
TEXTO EXTRAÍDO DO LIVRO SUPERANDO O RACISMO NA ESCOLA

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